segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A fórmula para enlouquecer o mundo

Trechos selecionados desse texto de Olavo de Carvalho.

(...) O poeta Stephen Spender, após romper com o Partido Comunista, já havia admitido que o que conduzia os intelectuais ocidentais à paixão por ideologias contrárias à própria liberdade de que desfrutavam era o sentimento de culpa e o desejo de livrar-se dele a baixo preço.

(...) A origem dessa culpa reside no fato de que amplas faixas da classe média passaram a desfrutar de lazeres e prazeres praticamente ilimitados, sem ter de arcar com as responsabilidades políticas, militares e religiosas com que a antiga aristocracia pagava o preço moral dos seus desmandos sexuais e etílicos.

(...) Já na Idade Média, os encargos da defesa territorial incumbiam inteiramente à classe aristocrática: ninguém podia obrigar um camponês ou comerciante a ir para a guerra, mas o nobre que fugisse aos seus deveres bélicos seria instantaneamente executado pelos seus pares. Noblesse oblige: a classe aristocrática era liberada de parte dos rigores morais cristãos na mesma medida em que pagava pela sua liberdade com a permanente oferta da própria vida em sacrifício pelo bem de todos.

(...) Ao contrário, junto com a liberdade vem o acesso a bens inumeráveis e a um padrão de vida que chega mesmo a ser superior ao da velha aristocracia – tudo isso a leite de pato. Ortega y Gasset notou, no seu clássico de 1928, La Rebelión de las Masas , que o típico representante da moderna classe média, o “homem massa”, era realmente um filhinho-de-papai, um señorito satisfecho que se julgava herdeiro legítimo de todos os benefícios da civilização moderna para os quais não havia contribuído em absolutamente nada, pelos quais não tinha de pagar coisa nenhuma e dos quais, geralmente, ignorava tudo quanto aos sacrifícios que os produziram.

Por toda parte, nas civilizações anteriores, um certo equilíbrio entre custo e benefício, entre direitos e deveres, entre prazeres e sacrifícios, era reconhecido como o princípio central da sanidade humana. A liberação de massas imensas de população para o desfrute de prazeres e requintes gratuitos é uma das situações psicológicas mais ameaçadoras já vividas pela humanidade desde o tempo das cavernas. Para cada indivíduo engolfado nesse processo, o efeito mais direto e incontornável da experiência é um sentimento de culpa tanto mais profundo e avassalador quanto menos conscientizado.

(...) O señorito satisfecho é corroído por um profundo ódio a si mesmo, mas está proibido, pela cultura vigente, de perceber a verdadeira natureza de suas culpas, e mais ainda de aliviá-las mediante a confissão religiosa e o cumprimento de deveres penitenciais.

(...) A culpa mal conscientizada, conforme a psicanálise demonstrou vezes sem conta, acaba sempre se exteriorizando como fantasia persecutória e acusatória projetada sobre os outros, sobre “o mundo”, sobre “o sistema”. O homem medianamente instruído do nosso tempo joga suas culpas sobre “o sistema”, fingindo para si mesmo que está revoltado pelo que ele nega aos pobres, quando na realidade o odeia por aquilo que esse sistema lhe dá sem exigir nada em troca. Não que o sistema seja isento de culpas; mas a mesma prosperidade geral que espalha os benefícios da civilização entre massas crescentes que jamais poderiam sonhar com isso nos séculos anteriores mostra que essas culpas não são de ordem econômica, mas cultural: o capitalismo não cria miséria e sim riqueza; mas junto com ela espalha o laicismo e o permissivismo, rompendo o equilíbrio entre o prazer e o sacrifício, necessidade básica da psique humana. Daí o aparente paradoxo de que o ódio ao sistema se dissemine principalmente – ou exclusivamente – entre as classes que dele mais se beneficiam materialmente.

(...) A tentação socialista aparece aí como o canal mais fácil por onde as culpas do filhinho-de-papai são jogadas precisamente sobre as fontes do seu bem-estar e da sua liberdade. Vejam essa meninada da USP, gente de classe média e alta, depredando uma universidade gratuita, e compreenderão do que estou falando: o que esses garotos precisam não é de mais benefícios; é de uma cobrança moral que restaure a sua sanidade. Mas, como os representantes do Estado são eles próprios señoritos satisfechos que também não compreendem a origem das suas próprias culpas, sua tendência é fazer dos jovens enragés um símbolo da sua própria consciência moral faltante; daí que lhes cedam tudo, num arremedo de penitência, corrompendo-os e corrompendo-se cada vez mais e precipitando uma acumulação de culpas que só pode culminar na suprema culpa da sangueira revolucionária. “Vivemos num mundo demente, e sabemos perfeitamente disso”, dizia Jan Huizinga na década de 30, pouco antes que o desequilíbrio da alma européia desaguasse no morticínio geral.

(...)Transcorridas quase oito décadas, a humanidade ocidental nada aprendeu com a experiência e está pronta a repeti-la. Hipnotizada pela lógica do desejo, que não enxerga cura para os males senão na busca de mais satisfações e mais liberdade, como poderia ela descobrir que seu problema não é falta de bens ou prazeres, mas falta de deveres e sacrifícios que restaurem o sentido da vida e a integridade da alma?

(...) Os capitalistas, os representantes do “sistema”, por sua vez, aceitam passivamente ser objeto de ódio e até se regozijam nele, na vã esperança de assim purgar suas próprias culpas; mas, como estas não residem onde as aponta o discurso revolucionário, cada nova concessão ao clamor esquerdista os torna ainda mais culpados e vulneráveis.

(...) Igor Caruso localizava a origem das neuroses não na repressão do desejo sexual, mas na rejeição dos apelos da consciência moral. O abandono da consciência de culpa não pode trazer outro resultado senão a proliferação de culpas inconscientes. E as culpas inconscientes necessitam de novos e novos bodes expiatórios, cujo sacrifício só as torna ainda mais angustiantes e intoleráveis.

Credo do Reacionário

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Eu não hesito em anunciar que sou um reacionário. Eu tomo com um profundo orgulho, na verdade. Não vejo mais razão em olhar para a frente, para um futuro desconhecido, ao invés de olhar para trás nostalgicamente para valores conhecidos e comprovados.

O termo "reacionário", na forma em que uso, não representa um conjunto de ideias definitivos e imutáveis. Representa uma atitude de espírito. (...)

As circunstâncias em que o termo "reacionário" é aplicado como um epíteto para fascistas e outras marcas do homem moderno - as quais um verdadeiro reacionário tem apenas desprezo - não é minha culpa.

Como um reacionário honesto, eu naturalmente rejeito o Nazismo, Comunismo, Fascismo e todas as ideologias relacionadas que são, de fato, um reductio ad absurdum da chamada democracia e do “povo no poder”. Eu rejeito os pressupostos absurdos do governo da maioria (...) e o falso conservadorismo dos grandes banqueiros e industrialistas. Eu abomino o centralismo e a uniformidade da vida em rebanho, o espírito estúpido racista, o capitalismo privado, bem como o capitalismo de estado (socialismo) que contribuíram para a ruína gradual da nossa civilização nos últimos dois séculos. O verdadeiro reacionário desses dias é um rebelde contra os pressupostos prevalecentes e um "radical" que vai até as raízes.

(...) O desastre final foi, na Revolução Francesa, diante do eterno dilema de escolher entre liberdade e igualdade, decidiu-se pela igualdade. (...) [Eles que] acreditavam que a torre da catedral deveria ser demolida porque essa estava acima do nível igualitário de todas as outras casas são símbolos do modernismo e do "progresso" perverso.

As massas, formando maiorias organizadas e abraçando ideias idênticas e odiando uniformemente todos aqueles que ousam ser diferentes, são o produto atual dessas várias revoltas. (...) O rebanho manda hoje em quase todos os lugares, com diversos meios e sob os mais diversos rótulos. É a essa tirania que eu me oponho.

Como um reacionário, acredito em liberdade, mas não igualdade. (...) Não aceito nem o igualitarismo degradante dos "democratas", nem as divisões artificiais do racistas, nem as distinções de classe dos comunistas e esnobes.

Seres humanos são únicos. Eles devem ter a oportunidade de desenvolver suas personalidades - e isso significa responsabilidade, sofrimento, solidão. (...). E há todos os tipos de coroas, a mais nobre delas, composta por espinhos.

(...) Eu acredito na família, na hierarquia natural dentro da família e no abismo natural entre os sexos. Eu amo os velhos cheios de dignidade e pais orgulhosos, mas também adoro crianças corajosas e justas. Em uma hierarquia o membro mais inferior é funcionalmente tão importante quanto o mais elevado.
(...) O abismo entre os homens e as mulheres me parece uma coisa boa também. Não há triunfo na construção de uma ponte sobre uma mera poça.

Eu gosto de pessoas com propriedades. (...) Eu detesto o capitalismo que concentra a propriedade na mão de poucos, não menos do que o socialismo que quer transferi-lo para o grande ninguém, uma hidra com um milhão de cabeças e sem alma: Sociedade. Gosto de pessoas com sua própria morada, com seus próprios campos, com seus próprios pontos de vista levando-os a ações independentes. Eu tenho medo da massa: os 51% que votaram em Hitler e Hugenberg; a multidão em frenesi que apoiou o Terror Francês; os 55% dos brancos dos Estados do Sul que mantiveram 45% dos negros "em seu lugar" (...).
Eu temo todas as massas que consistem de homens com medo de serem únicos, de serem pessoas; se importando mais com a segurança do que a liberdade, temendo seus vizinhos ou a "comunidade" mais do que Deus e suas consciências. Essas são pessoas que não exigem somente a igualdade, mas também identidade. Eles suspeitam de qualquer um que se atreve a ser diferente. (...) O homem moderno parece ter apenas um desejo: ver tudo moldado na sua própria imagem; ele detesta personalidade e tenta se assimilar. O que ele não consegue assimilar, ele extirpa. Toda a nossa época é marcada por um vasto sistema de nivelamento.

(...) Eu não tenho afinidade pelo "liberalismo" do século XIX, com seu materialismo grosseiro e a crença pagã na "sobrevivência do mais apto", ou seja, do mais inescrupuloso.

(...) O que nós reacionários queremos é liberdade e a diversidade. Nós acreditamos que existe uma força peculiar na diversidade. 

(...) Como um reacionário, gosto de patriotas; que ficam entusiasmados com a sua pátria, sua terra natal; e não gosto de nacionalistas, que ficam excitados com sua língua e seu sangue. O reacionário defende a ideia de solo e liberdade, ele luta contra o complexo de sangue e igualdade.

(...) Como um reacionário, eu possuo opiniões definitivas como também opiniões provisórias. "Nas coisas necessárias, a unidade; nas duvidosas, a liberdade; e em todas, a caridade" é um bom programa reacionário. Se eu considerar algo ser a Verdade, eu desconsidero toda opinião que contraria.  (...) Como reacionário, respeito qualquer pessoa que, com coragem e sinceridade, mantém visões errôneas, embora seguindo sua consciência. Eu tenho infinitamente mais respeito a um anarquista fanático catalão, ou por um Judeu Ortodoxo, ou por um Calvinista linha dura do que a um humanitário pseudo-liberal com uma veneração secreta a um estado onipotente. Um verdadeiro reacionário é um homem de fé absoluta e generosidade absoluta. Ele concilia dogma e liberdade.

(...) O que precisamos de ambos os lados do Atlântico é mais uma atitude pessoal. Colossialismo e coletivismo são o inimigo. O agricultor de Hindelang, por exemplo, deve antes de tudo, ter orgulho de ser o chefe de uma família, dono de uma fazenda e depois, de ser um morador de Hindelang. (...) [Mas] a identificação pelo "maior" com o "melhor" nos mostra a degradação expressa na adoração da quantidade, o nosso desprezo pela pessoa, todo o nosso desespero moderno pela singularidade humana.

(...) Eles [nós, os reacionários,] não acreditaram necessariamente em um Passado Glorioso em oposição a um Admirável Mundo Novo, mas viram as calamidades do presente, crescendo dos erros do passado, nas catástrofes do futuro. Estão isolados pela suspeita que os rodeia. São considerados desmancha-prazeres por não entrar na apologia universal do "Progresso". (...)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Falácia da Agregação

Trechos escolhidos do capítulo 'Falácia da Agregação' em 'As vantagens do pessimismo' de Roger Scruton.
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Aos seus olhos [dos revolucionários franceses], liberdade era bom, igualdade era bom e fraternidade era bom, pelo que a combinação era três vezes bom. É como dizer que lagosta é bom, chocolate é bom, ketchup é bom, pelo que lagosta em chocolate e ketchup é três vezes bom.

Robespierre prometeu fanaticamente o 'despotismo da liberdade', (...) uma contradição. (...)
Viram que o objetivo da igualdade exige a destruição da liberdade.

Objetivos que não podem ser promovidos em conjunto; isto é a falácia da agregação.

Os assaltos à liberdade com que os norte-americanos até aqui se deleitaram a realizar-se, em regra, em nome da liberdade. Por exemplo, quando a liberdade de um empregador de empregar quem ele desejar for eliminada por políticas de 'não discriminação', isso é justificado como 'atribuição de poder' e por isso 'libertação' de minorias anteriormente oprimidas. (...)
Não são como os direitos individuais; (...) São diretos de 'grupo' - direitos de uma pessoa tem em virtude de ser mulher, homossexual, ...

Este novo tipo de direito é inventado para justificar a discriminação em nome da não discriminação. É um modo de eliminar direitos individuais. (...) Vai contra o significado global de liberalismo na sua forma clássica, que visava proteger o indivíduo do grupo. (...)
Todavia, os liberais norte-americanos não tem dúvidas no seu espírito de que são eles, e não seus adversários conservadores, os verdadeiros defensores da liberdade individual no mundo moderno. O desejo de igualdade é, aos seus olhos, nada menos do que o desejo de tornar a liberdade igualmente disponível. (...)
E o único agente capaz desse ato em grande escala de atribuição de poder é o Estado.

O conflito ilustra o modo como liberdade e igualdade estão em guerra, bem como o modo como as pessoas tomam partido na guerra sem admitir a sua existência. (...)
Daí, poder-se ser 'liberal' e dedicar-se à destruição das liberdades que se intrometem no caminho da igualdade.

[Esquerdistas] Interpretam liberdade de uma nova maneira, como sendo concedida pela 'luta' pela igualdade. As liberdades defendidas por conservadores (...) são 'formas de dominação'. (...) A procura da liberdade na sua 'verdadeira forma' envolve a erradicação da dominação. (...)
Daí, ao mesmo tempo que faz campanha a favor da expansão do Estado na esfera pública, o novo tipo de vontade liberal fazer campanha a favor da exclusão do Estado da esfera privada.

Adam Smith via claramente que liberdade e moralidade são duas facetas da mesma moeda. (...) Uma sociedade livre (...) não é uma sociedade de pessoas libertadas de toda a restrição moral, pois isso é precisamente o oposto de sociedade. Sem restrição moral não pode haver cooperação, nem compromisso familiar, nem perspectivas de longo prazo, nem esperança de ordem econômica, quanto mais social.

Deste modo se molda a nova agenda social: o controle do Estado sobre todos os aspectos da vida pública; a total liberação na esfera privada. Se uma sociedade assim constituída consegue sobreviver e se consegue reproduzir-se são ainda questões em aberto (...). Todavia, a capacidade dos reformadores liberais de ignorar os sinais de decadência social (...) não constitui a mínima prova assinalável de que vivem num mundo de falsas esperanças.

Qualquer pessoa que tenha estudado o destino dos impérios e as dificuldades de estabelecer jurisdição territorial sobre comunidades que diferem em religião, língua e costumes conjugais sabe que a missão é quase impossível e ameaça constantemente soçobrar transformando-se em fragmentação, tribalismo ou guerra civil.

Todas as culturas concedem benefícios às pessoas que crescem em seu seio e as culturas que resistiram ao teste do tempo dão, por isso, prova das suas virtudes. Mas NÃO se segue que essas muitas formas do bem possam ser agregadas. (...)
O multiculturalismo não substituiu esse programa; destruiu-o pura e simplesmente.

Falácia do Espírito em Movimento

Trechos escolhidos do capítulo 'Falácia do Espírito em Movimento' em 'As vantagens do pessimismo' de Roger Scruton.
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Nas mãos de pensadores menos sutis, esta ideia do 'espírito do tempo' vulgarizou-se como arma retórica com que justificar a inovação em todas as esperas e racionalizar o repúdio global ao passado.

Confirmamos a falácia do espírito em movimento sempre que vemos os atos livres de indivíduos vivos como consequências naturais do tempo em que vivem. Isso é uma falácia não só por negar a liberdade humana. (...)[Também] porque aplica um entendimento de progresso derivado da ciência à generalidade da cultura humana.

Supor que se pode olhar para os nossos próprios tempos neste quadro mental, que se pode explorar 'o que exige atualmente o Zeitgeist' e até projetar essa exploração para a frente, para um futuro incogniscível, é cometer uma perigosa falácia - perigosa porque envolve a limitação da nossa liberdade e a visão do que é totalmente acidental sob o aspecto de necessidade.

A falácia é agravada pelo mito do 'progresso'.

É claramente falacioso pensar que esse tipo de progresso é exibido em esferas onde não há acumulação subjacente de saber sobre a qual construir. É inerentemente questionável acreditar, por exemplo, que há progresso moral contínuo que avança à velocidade da ciência; ainda mais questionável é acreditar que há progresso artístico ou espiritual que marcha ao seu lado.(...)
Nas artes, no pensamento religioso e na especulação filosófica temos tantas probabilidades de encontrar declínio como de encontrar melhoria de uma geração para a seguinte.

A descoberta científica estava a derrubar crenças consagradas (...) - a era da modernidade. Foi nesse momento que a falácia do espírito em movimento começou a se proliferar. (...) Que aderir a velhos costumes, velhos valores, velhas práticas, fosse na política, nas relações sociais ou na expressão artística, era simplesmente 'reacionário', era não entender as leis do desenvolvimento histórico e uma recusa da 'nova madrugada' que estava a abrir-se diante dos nossos olhos. (...)
A crença num espírito em movimento em que a mente da espécie humana era transportada para um saber, uma competência e um domínio da natureza cada vez maiores tornou-se (...) uma superstição reinante que teve um efeito devastador.

A falácia de ter uma visão retrospectiva de uma coisa que ainda não aconteceu tornou-se parte integrante do pensamento progressista.

As regras podem ser quebradas mas primeiro tem que ser incorporadas.

Quanto à falácia do espírito em movimento, deve o seu atrativo à sua vacuidade: pode ser usada para justificar qualquer coisa, para anular toda a crítica, ainda que bem informada, e para acolher com grandes aplausos qualquer ato chistoso de desafio que se possa apresentar como novo. Dá ao mais arbitrário dos gestos uma aura especiosa de necessidade e neutraliza assim a crítica antes de ser expressa.

(...)[buscavam] grandes soluções para problemas que nunca tinham existido.

Subtraiam-se os que fazem lucros e os vândalos, porém, e pergunte-se às pessoas vulgares como deve ser projetada sua cidade - não para o seu bem particular, mas para o bem comum - e atingir-se-á um nível surpreendente de acordo, como mostra o exemplo ao longo do tempo.


A falácia do espírito em movimento [...] é usada para encerrar a discussão do que devia ser uma questão aberta - a questão do modo como você e eu devíamos construir, aqui e agora.

Falácia do Planejamento

Trechos escolhidos do capítulo 'Falácia do Planejamento' em 'As vantagens do pessimismo' de Roger Scruton.
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É a reação natural a dificuldades coletivas na mente de qualquer pessoa que não reconheça que as soluções consensuais de problemas coletivos não são, em regra, impostas mas descobertas, e que são descobertas ao longo do tempo.

Esse conhecimento está disperso pela sociedade e não é propriedade de nenhum indivíduo.

Parece, na verdade, como uma atividade de transferência, um modo de os políticos se ocuparem com soluções ilusórias enquanto esperam que os problemas desapareçam.

A ordem social e econômica emerge da nossa negociação tácita como subproduto e não como objetivo.

A falácia do planejamento leva a outra: a desagregação dos problemas.(...)
Em todas as suas formas, o planejamento tem uma perigosa tendência para ignorar o modo como, pela lei das consequências não planejadas, a solução de um problema pode ser o início de outro.(...)
Não há prática mais arriscada que desagregar riscos, de modo a proibi-los um a um.

Na raiz da falácia do planejamento reside o problema identificado há dois milênios por Terêncio: Quis custodiet illos custodes? (Quem vigia os vigilantes?)

O ponto de vista razoável é o que visa uma ordem social baseada em restrições e não em objetivos.(...)
Kant reformulou a ideia em termos do seu 'imperativo categórico', que não nos diz o que devíamos visar mas apenas o que evitar. Devemos agir com base na 'máxima que podemos desejar como lei universal'. (o equivalente kantiano à Regra de Ouro judaica e cristã) (...)
A coexistência pacífica numa sociedade de estranhos consegue-se não por meio de um propósito comum ou de um plano organizado, mas por meio de restrições colaterais, as quais protegem cada pessoa dos propósitos e planos de todas as outras.

Tal como os preços no mercado condensam em si mesmos informação que doutro modo fica dispersa na sociedade contemporânea, também as leis condensam informação que está dispersa pelo passado de uma sociedade.

Os que acreditam que a ordem social exige restrições ao mercado têm razão. Todavia, numa ordem verdadeiramente espontânea as restrições já existem, sob a forma de costumes, leis e princípios morais. Se essas coisas boas se desintegram, não há maneira, segundo Hayek, de a legislação as substituir. Porque ou surgem de forma espontânea ou não surgem, pura e simplesmente, e a imposição de instrumentos legislativos para a 'boa sociedade' destrói o que resta do saber acumulado que torna possível essa sociedade. (...)
Tinham fé nos limites espontâneos colocados ao mercado pelo consenso moral da comunidade. Talvez esse consenso esteja atualmente a ceder. Mas essa cessão é em parte resultado da interferência do Estado e é certamente improvável que seja curada por ele.


Foi precisamente o êxito da falácia do planejamento na criação de enormes máquinas de poder e influência, a galopar descontroladas para o futuro, que levou à erosão do consenso.

Falácia da Soma Zero

Trechos escolhidos do capítulo 'Falácia da Soma Zero' em 'As vantagens do pessimismo' de Roger Scruton.
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Quando otimistas empenhados se confrontam com o fracasso (...) começa um processo de compensação destinado a salvar o projeto encontrando a pessoa, a classe ou a clique que a frustrou. E essa pessoa, classe ou clique é marcada pelos sinais de êxito. Se falhei foi porque outro foi bem-sucedido.

Para um certo tipo de temperamento, a derrota nunca é derrota pela realidade, mas derrota por outras pessoas. (...)
A injustiça, para o socialista, é conclusivamente comprovada pela desigualdade, de modo que a mera existência de uma classe rica justifica o plano para redistribuir seus ativos entre os 'perdedores'.

(...) Ao transferir o nosso ressentimento, podemos evitar o custo de o entender, que é o custo assustador do autoconhecimento.
Mesmo sem o contexto da revolução, o pensamento da soma zero tem uma função importante no apoio a falsas esperanças. Um forte exemplo é a crença generalizada de que igualdade e justiça são a mesma ideia. Poucas pessoas acreditam que se o João tiver mais dinheiro do que José isso é, em si mesmo, um sinal de injustiça. Mas se o João pertencer a uma classe com dinheiro e o José a uma classe sem ele, o modo de pensar da soma zero entra imediatamente em ação para convencer as pessoas de que a classe de João se tornou rica às custas da de José.

É este o ímpeto (...) que está efetivamente a minar as verdadeiras reivindicações de justiça e a pôr um substituto espúrio em seu lugar.(...)
O resultado tem sido o aparecimento na política moderna de toda uma ideia nova de justiça, ideia essa que tem pouco ou nada a ver com direito, merecimento, recompensa ou retribuição e que está efetivamente desligada dos atos e das responsabilidades dos indivíduos.

É fácil assegurar a igualdade no campo da educação: basta eliminar todas as oportunidades de progredir. (...)

Uma oportunidade de progredir só pelo talento e pela aplicação foi destruído pela simples razão de que separava os êxitos dos fracassos.

Falácia Utópica

Trechos escolhidos do capítulo 'Falácia Utópica' em 'As vantagens do pessimismo' de Roger Scruton.
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Não estamos a lidar meramente com erros localizados de raciocínio, mas sim com um molde mental, e um molde mental que de algum modo misterioso é indiferente à verdade. (...)
A mente utópica é uma mente moldada por uma moral particular e uma necessidade metafísica que leva à aceitação de absurdos não a despeito da sua absurdidade mas por causa dela.

Esta 'imunidade à refutação' é o que quero dizer com falácia da utopia, e vale a pena explorá-la como um dos curiosos caminhos secundários do otimismo, que aponta o caminho para uma profunda explicação da razão pela qual, no espírito humano, o irracional é tão interminavelmente renovável.

A falácia da melhor das hipóteses aparece quando a esperança prevalece sobre a razão, na presença de uma escolha importante. Não é utópica em si mesma. (...) 
Em todas as suas versões, porém, a utopia é concebida como uma unidade de ser, em que todos os conflitos não existem porque as condições que os criam já não estarão presentes.

Basta o mais ligeiro discurso crítico para reconhecer que o 'comunismo' de Marx incorpora uma contradição: é um estado em que todas as vantagens da ordem jurídica ainda estão presentes, ainda que não haja lei; em que todos os produtos da cooperação social ainda existem, ainda que ninguém desfrute dos direitos de propriedade que até aí forneceram o único motivo para os produzir.

A crítica mais importante a fazer a esse modo de pensar não é que é contraditório, embora o seja, mas que, ao prosseguir uma solução única e completa para o conflito humano, uma solução que elimine o problema para sempre, destrói as instituições que nos permitem resolver os nosso conflitos um por um. (...)
A solução para os conflitos humanos descobre-se caso a caso e incorpora-se depois em precedentes, costumes e leis.
A solução não existe enquanto plano, esquema ou utopia. É o resíduo de uma miríade de acordos e negociações, preservada no costume e na lei.
As soluções raramente são encaradas de antemão, mas acumulam-se gradualmente através do diálogo e da negociação. (...)
E é precisamente esse depósito, nos costumes e nas instituições, que o utópico se prepara para destruir.

A utopia é inteiramente construída pela negação [do mundo tal como é]. O ideal constrói-se para destruir o real. (...)
[Utopia] é o desejo de vingança contra a realidade.

É a característica mais notável dos Estados totalitários: a necessidade constante e implacável de uma classe de vítimas, a classe dos que se colocam no caminho da utopia e impedem sua aplicação. (...)
Será um grupo marcado pelo seu êxito anterior, cujos frutos lhe serão tirados e destruídos ou distribuídos entre os vencedores. (...)
'Você é judeu/burguês/cúlaque.' 'Bem, sim, confesso.' 'Então, qual é sua defesa?'.


Na utopia, nunca se sentirá a vontade no mundo que cria. (...) Suspeitará de que a refutação da utopia já está a ser descoberta.

Falácia do Nascido Livre

Trechos escolhidos do capítulo 'Falácia do Nascido Livre' em 'As vantagens do pessimismo' de Roger Scruton.
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O Contrato Social de Rousseau (...) apresenta um novo conceito de liberdade humana, de acordo com a qual liberdade é o que nos resta quando afastamos todas as instituições, todas as restrições, todas as leis e todas as hierarquias. E seus seguidores acreditavam que essa liberdade, uma vez obtida, exprimir-se-ia na felicidade e na fraternidade da espécie humana, e não naquela 'guerra de todos contra todos', que Hobbes descreveu como o verdade 'estado natural'.
(...) a defesa apaixonada [desse conceito] da liberdade foi mais tarde utilizada para desculpar a tirania dos revolucionários.
(...) resistiu na política, na educação e na filosofia até os dias de hoje.

As instituições, as leis, as restrições e a disciplina moral fazem parte da liberdade e não dos seus inimigos, e a libertação dessas coisas leva rapidamente ao fim da liberdade.

A 'liberdade' disponível num estado natural é uma ilusão - uma mera 'falta de restrição', mas sem a segurança e o reconhecimento que dota a liberdade com os seus atributos distintivamente humanos. É a liberdade do 'eu' indomado, que pode perambular à sua vontade, mas que não tem ideia do valor de estar aqui em vez de estar ali, de ganhar uma coisa em vez de outra, (...) um eu no seu imediatismo, que deseja coisas mas não tem o sentido do seu valor. A verdadeira liberdade envolve não só fazer o que se quer, mas também valorizar o que se obtém. Envolve planejar, programar, ter razões para agir e conseguir o que se resolve realizar. E a ideia dominante de Hegel é que todas essas características são essencialmente características sociais da vontade: dependem das relações humanas em que os nossos atos e as nossas emoções se encaixam, e não estão disponíveis fora do contexto fornecido pelas regras e pelos costumes de uma comunidade que usa uma linguagem e das restrições mutuamente reconhecidas através das quais não procuramos meramente concretizar os nossos desejos mas também renunciamos a eles.

A liberdade genuína só aparece quando (...) o conflito se resolve num estado de reconhecimento mútuo. (...)
O preço dessa liberdade é o preço da reciprocidade.

Responsabilidade e reciprocidade informam todos os modos de sociedade humana e são as fundações sobre as quais se constrói a paz e a felicidade. Uma vez que se reconheça isso, porém, temos que reconhecer que as leis, os costumes, as instituições e as restrições convencionais residem na própria natureza da liberdade.
Daí não nascermos livres: a liberdade é algo que adquirimos. E adquirimo-lo através da obediência. Só a criança que aprendeu a respeitar e acatar os outros pode respeitar-se a si mesma.

A falácia do nascido livre leva (...) às 2 doutrinas (...) que se tornaram as bases da política educativa desde país: a doutrina de que nenhuma das partes envolvidas no processo de ensino (nem o aluno, nem o pai, nem o professor) tem culpa do seu fracasso; e a doutrina de que o Estado deve investir no fracasso em vez de no êxito.

A liberdade não é um dom da natureza mas o resultado de um processo educativo, algo que temos que trabalhar para adquirir através de disciplina e sacrifício.

Cada prova de que a destruição da ordem também era uma perda de liberdade era interpretada no sentido oposto, como prova de que as coisas ainda não tinham ido suficientemente longe.

Uma vez que tem que ser verdade que as crianças nascem livres, quaisquer sinais de que a liberdade e a autonomia não foram atingidas tem que ser culpa de outros [,pensam os otimistas inescrupulosos].


Elogiei Hegel pelo reconhecimento de que a liberdade não é um dom natural mas um artefato que construímos em conjunto através da nossa pertença social partilhada.

Falácia da Melhor das Hipóteses

Trechos escolhidos do capítulo 'Falácia da Melhor das Hipóteses' em 'As vantagens do pessimismo' de Roger Scruton.
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[Segundo Robert Conquest,] a primeira [das '3 leis da política'] afirma que toda a gente é de direita em relação àquilo que sabe melhor. Com 'direita', queria dizer desconfiado em relação ao entusiasmo e à novidade e respeitoso para com a hierarquia, a tradição e os modos estabelecidos.(...)
Claro que precisamos de originalidade, tal como podemos precisar de soluções radicais quando as circunstâncias mudam radicalmente (...), quando as condições são excepcionais; e era contra o desejo de considerar todos os casos excepcionais que Conquest estava a prevenir.

(As outras 2 leis são:
- qualquer organização que não seja explicitamente de direita torna-se mais tarde ou mais cedo de esquerda; e
- a maneira mais simples de explicar o comportamento de qualquer organização burocrática é presumir que é controlada por um grupo de inimigo seus.)

O pessimismo (...) encoraja-nos a fazer contas ao preço do fracasso, a formar uma ideia da pior das hipóteses e a correr riscos com plena consciência do que acontecerá se os riscos não compensarem. O otimista inescrupuloso não é assim. Dá saltos de pensamento (...). Solicitado a optar em condições de incerteza, imagina o melhor dos resultados e pressupõe que não precisa pensar em mais nenhum (...), se esquece de fazer as contas do custo do fracasso ou então - e este é o aspecto mais pernicioso - projeta a endossá-lo a outrem.

O pessimismo judicioso ensina-nos não a idolatrar seres humanos mas a perdoar os seus erros e a lutar em privado pela sua emenda. Ensina-nos (...) a manter abertas as instituições, os costumes e os procedimentos através dos quais se corrigem os erros e aos quais se confessam as faltas, em vez de visar algum novo arranjo em que nunca se cometam erros. (...)
O pior tipo de otimismo é aquele que (...) fez acreditar que tinham posto a espécie humana no caminho de uma solução de problemas da História e os fez destruir todas as instituições e todos os procedimentos através dos quais é possível corrigir erros.

Os críticos dos otimistas inescrupulosos não só, segundo eles, estão errados, mas são o mal, ansioso por destruir as esperanças de toda a espécie humana e por substituir a amabilidade cordial para com a nossa espécie por um cinismo cruel. (...)
Sei que nenhum otimista será convencido [pelos meus exemplos]. É uma das características mais notáveis da mentalidade otimista nunca aceitar a responsabilidade pelos efeitos das suas próprias crenças nem reconhecer o perigo das falácias que a guiaram.

Qualquer tentativa de construir o Céu na Terra será ao mesmo tempo presunçosa e irracional. (...)
Na verdade, provavelmente uma das funções da religião é neutralizar o otimismo. Ao transferir as nossas esperanças mais especulativas da arena da ação mundana para uma esfera que não podemos alterar, uma fé transcendental liberta-nos da necessidade de acreditar que estão ao nosso alcance mudanças radicais. (...) Ênfase na piedade e na cautela.

As pessoas escrupulosas vêem a ordem da sociedade não como uma coisa imposta como meta e conseguida pelo esforço partilhado mas como algo que emerge por meio de uma 'mão invisível' das decisões e dos acordos que não a tinham como intenção.
Aceitam o mundo e as suas imperfeições, não por não poder ser melhorado, mas porque muitos dos melhoramentos que importam são subprodutos da nossa cooperação em vez de seu objetivo.

Reconhecem que a 'mão invisível' tanto produz maus como bons resultados e que há necessidade de liderança e de orientação para gerir com êxito as emergências. Todavia, também reconhecem que a sabedoria raramente se contém numa única cabeça e que é mais provável que esteja guardada como relíquia nos costumes que resistiram ao teste do tempo do que nos esquemas de radicais e ativistas.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Não seja tão quadrado


Embora já bem freqüente na Europa e na Austrália, os americanos ainda são muito reticentes com relação à implantação de rotatórias. [No Brasil, então...]

Esse estranhamento se deve, obviamente, ao costume de toda uma geração que cresceu confiando na lógica binária (pare-siga) e se sente desconfortável com uma situação ‘meio difusa’ que parece governar numa rotatória. Ele cita também o ‘viés da disponibilidade’: um autoengano psicológico, no qual um evento mais raro vem à mente com mais facilidade. No caso, americanos que visitam cidades européias e não se sentem bem nas rotatórias de lá. O engano se dá simplesmente por não estarem acostumados e ficarem pouco tempo para se adaptar. Um europeu, acostumado, já não sente o mesmo.

Vanderbilt também diferencia o modelo 'bom' dos 'antigos': se é muito grande, se a preferência não é de quem já está na rotatória ou se existem semáforos, não se trata do ‘bom modelo’ para rotatórias.

Para argumentar sobre as vantagens das rotatórias sobre os cruzamentos, o autor cria um acróstico mnemônico: STEP.

S de ‘safety’, segurança. Os cruzamentos são os locais com a maior quantidade de acidentes e de acidentes fatais. As rotatórias eliminam a ‘virada à esquerda’, grande vilã do trânsito, e a quantidade de ‘pontos de contato’. Os motoristas precisam diminuir a velocidade para entrar na rotatória; ou seja, mesmo que haja alguma colisão, será menos grave por ser em velocidade menor. Eliminando a faixa dedicada a quem espera para virar à esquerda num cruzamento normal, a largura da via pode diminuir, facilitando a travessia do pedestre. Os números na Austrália, na Europa e até nos EUA já comprovam essa redução. [Nota minha: no Brasil, provavelmente as rotatórias também podem eliminar os assaltos enquanto se espera o sinal verde.]

T de ‘time’, tempo. A velocidade em um determinado momento não pode ser confundida com tempo total da viagem. Menos batidas, menos ciclos de aceleração/desaceleração e menos espera pelo sinal verde faz com que os tempos gastos em trajetos com rotatórias sejam menores. Os números comprovam.

E de ‘energy’, energia. Os ciclos de aceleração/desaceleração, típicos de cruzamentos tradicionais, são sabidamente os momentos de maior consumo de gasolina. As rotatórias trarão economia.

P de ‘public space’, espaço público. O centro da rotatória pode servir para algum jardim ou monumento. A faixa de espera para virar à esquerda pode ser reaproveitada. A velocidade mais lenta pode fazer com que os motoristas percebam mais o comércio ao longo das vias. Em suma, o ambiente fica mais harmonioso.

Como pontos de atenção, Vanderbilt diz que alguns cruzamentos já estão tão saturados que a rotatória pode não ser mais tão eficiente (assim como o cruzamento já não o é). Outra questão é uma eventual dificuldade de iniciantes para ‘entrar’ nas rotatórias.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Angústia moderna


Meu primeiro contato com Alain de Botton foi através desse excelente vídeo no TED, sobre uma nova concepção de sucesso. Depois, assisti a uma palestra dele no Fronteiras do Pensamento aqui em São Paulo, em que ele defende o legado e o exemplo das religiões mesmo para quem é ateu (como ele): forma de educar através de repetição e parábolas, artes (arquitetura, música), senso de comunidade, busca pelo conhecimento. Muito boa também. Aí, ele criou a tal School of Life, que me parece uma grande embromação.

Mas a ideia desse post é resenhar seu livro ‘Status Anxiety’, traduzido porcamente para ‘Desejo de Status’. Digo ‘porcamente’ porque a tônica do livro é a angústia mesmo, não o ‘desejo’. Gostei MUITO do livro (apesar de ser um pouco repetitivo...); acho que vai bem aos pontos do mal estar incessante dos ‘tempos  modernos’...



Alain de Botton divide o livro em 2 partes. Na primeira, ele reflete sobre 5 eventuais causas dessa angústia. Na 2ª parte, fala sobre 5 eventuais saídas, escapes para ela.

CAUSAS

1. (Falta de) Amor
Ele argumenta que, não raramente, o desejo de subir na hierarquia se deve não às conquistas em si, mas ao amor que recebemos em consequência do alto status; ou seja, dinheiro, fama, influência são como ‘tokens’ (fichas, meios) para ser amado. Nossa autopercepção, nossa própria identidade depende demais do que os outros pensam sobre nós. Procuramos sinais de respeito do mundo para nos tolerarmos. Se dão risadas das nossas piadas, consideramo-nos engraçados; se nos elogiam, consideramo-nos merecedores.

2. Expectativas
O autor lembra que a grandíssima maioria da população medieval, após uma vida inteira de trabalho árduo, possuía apenas 1 ou 2 vacas. O progresso material mudou completamente essas expectativas. Nós não conseguimos perceber como somos prósperos em termos históricos. Consideramo-nos bem sucedidos apenas em comparação com quem crescemos, com quem estudamos, com nossos amigos.
Não há sucesso mais intolerável (intragável, doído) do que o daqueles incrivelmente parecidos conosco. Daí, segue que, quanto maior o número de pessoas com as quais nos consideramos ‘iguais’, maior a possibilidade de sentirmos inveja .

"Quando a desigualdade é regra da sociedade, as grandes diferenças não chamam atenção.
Mas quando tudo fica mais ou menos no mesmo nível, a menor variação é notada."
Tocqueville

Hoje, uma leve queda nas condições de provação aumenta desproporcionalmente o medo da privação total. As pessoas não aceitam dar um passo pra trás.
Daí, as sociedades modernas criaram uma espécie de defesa, uma notável capacidade de achar que nada, nunca é suficiente...
Nós poderíamos estar felizes o suficiente com pouco, se pouco fosse o que queríamos; e poderemos nos sentir miseráveis com muito, se formos inclinados a desejar tudo. O preço que pagamos por ter expectativas tão maiores que nossos ancestrais é justamente uma angústia perpétua por estarmos longe de ser tudo aquilo que ‘poderíamos ser’.

"Há dois modos de tornar um homem mais rico: dar-lhe mais dinheiro ou ceifar seus desejos."
Rousseau

3. Meritocracia
Aqui, o filósofo explicita mudanças em 3 histórias do imaginário popular ao longo do tempo.
A primeira sobre a utilidade dos pobres. Por milênios, a plebe era vista com respeito por ser a trabalhadora, a ‘criadora’ de riqueza, até pela interdependência das classes (clero, nobreza e plebe). Por influência de pensadores modernos, essa lógica se inverteu. Hoje, os ricos, mesmo através de orgulho ou luxúria, são os que possibilitam a criação de riqueza e sua divisão. Antigos vícios passam a ser vistos como virtudes.

A segunda história que mudou é com relação à conotação moral da pobreza. Antes, até pela forte influência do Cristianismo (pelo qual, o verdadeiro ‘bem’ é o reconhecimento da dependência de Deus, independentemente de dinheiro), ser pobre não era um ‘ônus moral’. Agora, concorrendo com os antigos princípios hereditários e igualitários, aparece a MERITOCRACIA.
Não é mais possível argumentar que status seja resultado inteiramente de um sistema rígido. A crença de uma crescente conexão confiável entre o mérito e o sucesso no mundo dá ao dinheiro uma nova qualidade moral. A consequência desse pensamento (que, aliás, é um dos principais pontos lá da 1ª palestra de Alain de Botton no TED) é que, assim como os bem-sucedidos merecem seu sucesso, necessariamente os fracassados MERECEM seu fracasso. O baixo status passa a ser ‘MERECIDO’.

A 3ª história fala sobre ‘erros’. Antes, por influência de Marx & cia, os ricos eram considerados necessariamente corruptos, pecadores, ‘errados’. Enriqueceram porque roubaram os pobres. Agora, os estúpidos são os pobres, incapazes de se tornarem bem sucedidos pelos próprios esforços. (Pessoalmente eu não concordo que houve essa mudança). Os pobres deixam de ser AZARADOS e passam a ser FRACASSADOS (losers).

4. Esnobismo
Vivemos em um mundo diametralmente oposto ao amor incondicional de mãe, isto é, um mundo esnobe, com atenção condicional e dependente do que fazemos ou conquistamos.
O reforço do prestígio de ‘famosos’ necessariamente banaliza a vida dos ordinários.

"Se elas estão loucas para nos conhecer, não deve nos interessar conhecê-las. As únicas pessoas que nos interessam são as que não se interessam por nós."
Cartoon em 1892.

O problema é que não gostar das pessoas quase nunca é motivo suficiente para não desejar que elas gostem da gente.

5. Dependência
Nas sociedades tradicionais, o alto status podia ser difícil de ser alcançado, mas também era muito difícil perdê-lo. Hoje, há muito mais imprevisibilidade (ou pela menos, temos mais percepção dela) para manutenção do status.
Dependemos do talento, da sorte, de um empregador, do lucro desse empregador, da economia global,...
O autor lembra que não faz muito tempo que as pessoas deixaram de trabalhar por conta própria (em suas fazendas ou negócios de família) para barganhar sua inteligência por um salário. Essas ‘novas’ relações trabalhistas (necessidade de ‘puxar saco’ de colegas e superiores, tensão por promoção própria e alheia, corte de funcionários) se tornam uma das mais opressivas angústias.
Abre-se espaço para Marx, cujas teorias de valor capturam esse ‘conflito’ entre empregado e empregador: há uma ÚNICA diferença entre o trabalho e outras commodities; o trabalhador sente dor.

SOLUÇÕES

1. Filosofia
Embora a filosofia entenda que a angústia possa ser 'útil', aqui o autor apresenta o ceticismo em relação à inteligência dos outros, o que chama de 'misantropia inteligente'.
Devemos perceber que a opinião da maioria das pessoas sobre a maioria dos assuntos é extraordinariamente confusa e errada: 'a opinião pública é a pior das opiniões' (Chamfort).
Antes de buscar a aprovação de alguém, devemos nos questionar se as opiniões dessa pessoa merecem ser ouvidas.

"Um músico deve se sentir grato pelo aplauso de uma plateia se soubesse que toda ela, sem exceção, é surda?"
Schopenhauer

2. Arte
A arte é a antítese do moralismo; é marcada pelo desejo de remover o erro humano, limpar a confusão humana, diminuir a miséria humana.
Através da tragédia ('da alegria para miséria', erro de julgamento, inversão de sorte), sentimos piedade pelo herói e medo por causa da identificação com ele. A tragédia nos ensina a ter modéstia sobre nossa capacidade de evitar o desastre e, assim, ter empatia por quem o encontrou. Evidencia nossa (falsa) tendência a achar que estamos com o controle consciente do nosso destino. Num mundo imbuído com as lições da arte trágica, as conseqüências das nossas falhas seriam menos pesadas.
Já a aparente inocência das comédias permite passar mensagens que seriam 'perigosas' diretamente. Uma piada engraçada é aquela que cria situações ou sentimentos que causam embaraço ou vergonha no nosso dia-a-dia; jogam luz sobre as vulnerabilidades que costumamos deixar nas sombras.

3. Política
Toda sociedade atribui uma alta estima a um certo grupo (enquanto condena ou ignora outros) baseado em habilidades, origem, temperamento, força física, cor da pele, gênero, religião,... Longe de ser permanente ou universal, as 'qualidades' em um local ou era podem ser irrelevantes ou mesmo indesejáveis em outros. Os valores de status foram e serão objetos de mudanças: esse processo é chamado 'política'. Para tentar mudar, usam-se armas, protestos ou livros.
As 'ideias dominantes' de qualquer época são sempre as ideias da 'classe dominante' e é difícil manter essa relatividade em mente. Paradoxalmente, se essas ideias forem percebidas como 'impostas forçosamente', elas não serão mais dominantes. Daí, a necessidade de ser perguntar de forma autônoma: 'Deve ser assim?'.
Essa percepção pode diminuir nossa sensação de perseguição, passividade e confusão a que estamos sujeitos.

4. Religião
Nós podemos superar o sentimento de ‘desimportância’ não nos fazendo mais importantes, mas reconhecendo a falta de importância de qualquer um (e de todos) na Terra, especialmente diante de uma força muito maior (infinitude, eternidade ou, mais comumente, ‘Deus’).
Memento mori: a ideia da morte reorienta nossas prioridades, afastando-se do mundano, rumo ao espiritual. Passa a ideia de certa 'igualdade': não importa se com alto ou baixo status, todos temos o mesmo destino, o pó.
Achei interessante a passagem de Xerxes (de Herodotus): após grande conquista, o imperador começa a chorar ao perceber que, em um período de 100 anos, todos seus bravos soldados estariam mortos.
Ruínas (um símbolo da infinitude do tempo) e paisagens (símbolo da infinitude do espaço) ajudam nessa tarefa de evidenciar nossa insignificância.
Outro importante auxílio das religiões é o senso de comunidade. No mundo atual, ser ‘qualquer um’ é medíocre, conformista, chato, suburbano; o objetivo é se distinguir da massa. No entanto, pelos ensinamentos de Cristo, por exemplo, ser igual aos outros é uma das principais virtudes do ser humano. Ensina-nos a olhar além das nossas diferenças superficiais, destacando que possuímos basicamente as mesmas vulnerabilidades e necessidades. O entendimento cristão é de que existe um status terreno e outro sagrado; redefine sucesso não em termos materiais: pobreza pode coexistir com bondade, ocupação humilde com alma nobre.

5. Boemia
Trata-se de uma crítica à noção 'burguesa' de respeitabilidade. Valoriza-se a 'simplicidade' (ao invés do termo 'pobreza'): não se é um loser, apenas se escolhe gastar energias em outras coisas que não fazer dinheiro.
Os mártires boêmios são aqueles que sacrificaram a segurança de um emprego estável e da estima da sociedade para escrever, pintar, fazer música, viajar ou simplesmente passar tempo com amigos e família.
Boêmios repudiam a noção de sucesso/fracasso porque o mundo é governado por estupidez e preconceito; os bem sucedidos raramente são os melhores ou mais inteligentes, mas sim os que foram mais aptos a responder aos valores falhos dos tempos modernos.

"Um homem é rico na proporção do número de coisas de que ele é capaz de abrir mão."
Thoreau

Embora não seja perene (o dinheiro acabava!), a boemia valeu para refletir sobre algumas 'verdades', até então inquestionáveis, da burguesia.

A conclusão é que, por menos prazerosas que sejam, é difícil imaginar uma boa vida completamente livre dessas angústias por status, mas podemos 'melhorar a relação' com elas.
Uma solução madura é perceber que status é definido por uma variedade de ‘audiências’ e que podemos escolher livremente 'nosso público', ou seja, existe mais de um modo de ser ‘bem sucedido’ na vida.


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Administrando grandes cidades


Tive o prazer de assistir ao seminário organizado pelo Insper, Harvard e Columbia (através dos respectivos escritórios no Brasil) sobre a Administração de Mega Cidades, com ênfase em São Paulo.

Além de 2 palestras com visões mais macro (do economista Edward Glaeser e do prefeito Fernando Haddad), o seminário foi composto por 4 mesas (1 palestrante + 2 comentaristas) com os temas: educação, trânsito, segurança/violência e visão estratégica.

Gostei BASTANTE. Com uma única exceção, as palestras e debates foram muito bons. Já falei sobre Ed Glaeser aqui: é o defensor entusiasta da vitalidade das cidades, das suas microrrelações diárias e do ganho exponencial com a proximidade do conhecimento.

Mas quero falar de 2 temas específicos: política e trânsito.

Politicamente, é triste constatar que a única palestra RUIM foi a do prefeito. Falou um monte de obviedades zagallianas (“Defesa, vamos defender!!”; “Atacantes, vamos fazer gols!”; “Precisamos melhorar a mobilidade e aumentar a segurança!!”). O pior é não identificar início, meio e fim nos argumentos. Se me perguntarem sobre o que ele falou, juro que não sei responder. Por outro lado (e para não dizerem que essa minha opinião sobre Haddad é completamente enviesada), duas das palestras mais interessantes foram de pessoas-chave na administração petista: Ciro Biderman, da SPTrans, e Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano (acho que foi o 1º nome que Haddad anunciou; pertence ao “núcleo duro” do prefeito). Ambos mostraram-se preparados para as respectivas funções. Embora haja bastante coisa que continua da administração anterior (do neo-aliado Kassab), parece existir um clima de “transição”, de “nova fase”. Tenho um pouco de receio quando ouço petista falando assim (vão achar que SP surgiu em 2013 como fazem com o Brasil 2002?), mas não deixa de ser saudável que a cidade de São Paulo seja repensada, desde política de uso de solo, mobilidade, etc.

(Provocação barata: primeira vez que vejo uma “autoridade” petista participando de um debate gringo sem precisa de head phones pra tradução... Ponto positivo para Fernando de Mello Franco. Hehe)

Sobre a questão de trânsito, vou me estender um pouco mais. Ciro Biderman, professor da FGV, agora na SPTrans, fez sua palestra defendendo a construção/incentivo de BRT (bus rapid transit) em contraposição ao metrô (e variações como o monotrilho) - menos flexíveis, mais caros - e principalmente em relação ao uso do veículo particular.
Apenas lembrando, grosso modo (beeem grosso modo), o BRT é um meio termo entre os corredores de ônibus e o metrô. Ou seja: ônibus maiores de superfície (nas ruas mesmo, como os articulados que já existem), em vias totalmente separadas, com vias para ultrapassagem, com diferenciação de linha expressa e linha “paradora”, com embarque/desembarque em nível (ou seja, sem precisar descer/subir escada para acessar o ônibus; esses 2 segundos de escadas são muito relevantes no acumulado do dia), bilhetagem externa (não existe cobrador dentro do ônibus; a cobrança é feita no ponto/plataforma), entre outras características. Trata-se de um modelo de transporte de alta capacidade, mais barato e mais resiliente (mais fácil adaptar a novos trajetos, situação impossível para uma linha de metrô, por exemplo).

Pra melhorar, o palestrante ainda citou a redefinição das rotas de ônibus para abordagens mais “pendulares”, isto é, não radiais, ligando perifeira a perifeira, sem passar pelo centro.

Em suma, muito perto do que eu imagino pra São Paulo (Talvez tenham percebido pelo modo como escrevi. hehe). (Faltou só citar um redesenho de rotas para facilitar/incentivar comutações, como falei aqui...). Ou seja, gostei bastante!
Vai ser muito difícil pra mim, mas se implementarem esse modelo de fato, vou ter que dar a mão à palmatória e parabenizar a gestão petista (ousando dizer que é o ato mais importante a ser feito em SP, considerando TODAS as secretarias...).

José Luiz Portella, de quem gosto, ex secretário de Transportes do Estado, mais ligado aos tucanos, foi um dos comentaristas. E fez observações pertinentes. Disse que não precisa haver essa “competição de modais”, no sentido de que todos são importantes e precisam ser ampliados (isto é, não precisamos achar que um deles – no caso do Ciro, o BRT – é a solução de todos os males) e colocou sérias restrições à implementação do BRT em São Paulo. Por exemplo, lugares cruciais seriam a Santo Amaro e a Francisco Morato/Rebouças mas não é nada trivial aumentar a largura dessas vias com desapropriação. Ou seja, talvez pela mais larga experiência no setor público, jogou água no chopp do Ciro ao dizer que não é tão fácil assim... De todo modo, conversei em off com o Ciro depois da palestra e aprofundei essa questão. O cara me pareceu meio doidão mesmo; parece que, por ele, sairia hoje mesmo tocando o pau com BRT nessas avenidas, seja com túneis, elevados ou mesmo desapropriação. No fundo até achei bom. Ele, como responsável pela SPTrans, tem que querer isso mesmo. Se for doideira (financeira ou politicamente), alguém (da Secretaria de Finanças, por exemplo) que freie o projeto.

Outro ponto que achei relevante nessa mesa foi o trabalho acadêmico do outro comentarista, aluno do Insper, no qual chega à conclusão de que, uma vez tendo ido para o transporte individual (carro próprio) haverá pouca migração de retorno ao transporte público. Ou seja, ele acha que o BRT pode ser útil ao dar mais conforto e agilidade pra quem JÁ usa o transporte público, mas que não deve conseguir convencer usuários de veículos próprios a começarem a usar o novo modal. Tenho minhas dúvidas; menos pela questão financeira e mais pela questão de perda de tempo mesmo.

Todos concordaram que deve haver desincentivo à utilização de veículos próprios, seja pela redução de vias de fato (para dar mais espaço a ônibus; Portella citou o plano de metas de Paris de reduzir 30km de vias por ano), seja pela introdução do pedágio urbano. Engraçado(/Triste) ver pessoas próximas a prefeitos e governadores acharem que o pedágio urbano será benéfico, mas não conseguirem convencer os respectivos chefes executivos (sempre com o contrargumento de custo político).

Por fim – e do ponto de vista prático, o mais importante pra mim ;) – a questão do estacionamento finalmente entrou na pauta. A necessidade legal de construção de um número mínimo de vagas associadas aos prédios, a quase gratuidade do estacionamento em vias públicas e, principalmente, a “restrição a estacionamentos” foram citados. Conceitualmente, eu concordo com quase tudo (mesmo com essa questão de “restringir”, que, em tese, seria ruim pro meu negócio), mas tudo depende da forma como é feito. Ciro Biderman é enfático na questão da restrição via “taxação”. Fui questioná-lo por que desse modo e não, simplesmente, reduzindo a oferta (diminuindo a quantidade de vagas). E ele não fez cerimônia: “Melhor o dinheiro vir para o governo do que virar lucro das operadoras”. Hehe. A conversa não foi muito mais longe...

Se, por um lado, fiquei satisfeito ao perceber que tem gente no governo municipal que pensa parecido com o que eu penso (do ponto de vista prático), por outro, desanimei ao relembrar que um detalhe ideológico pode fazer bastante diferença.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O conhecimento (e mesmo o sentimento) é subtrativo

Esse é provavelmente o ~conceito filosófico~ de que mais gosto, resumido nesse aforismo de Nicholas Taleb:
'O conhecimento é subtrativo, não aditivo; é o que nós rejeitamos (o que não funciona, o que não devemos fazer), e não o que acrescentamos (o que fazemos ou devemos fazer).'

Daí, surgem alguns corolários interessantes como:
'A melhor maneira de se achar um charlatão: aquele que te aconselha o que deve ser feito ao invés de aconselhar o que NÃO deve ser feito'.
Ou:
'O idiota acha que a Verdade é a busca pelo conhecimento; o sábio sabe que a Verdade é a busca pelo que se ignora.'
Ou:
'O conhecimento será sempre limitado; o desconhecido será sempre ilimitado.' (meu preferido)

Taleb não é o primeiro a falar do conceito, claro. Trata-se de alicerce para uma das principais ideias de Karl Popper (na verdade, crítica ao processo de indução), o famigerado 'cisne negro': um milhão de cisnes brancos não são suficientes para afirmarmos que 'todo cisne é branco'; um único cisne negro já é suficiente para afirmarmos que 'nem todo cisne é branco'. O conhecimento é subtrativo!

É como uma criança que nasce e acha que tudo é possível. Aos poucos, o 'mundo' vai falando: isso não dá certo, aquilo é errado, e o mundo vai se 'estreitando'. Como o conhecimento subtrai, as possibilidades ficam (mais assertivas mas) menores. Podemos pensar assim em política, empreendedorismo,...
[Lógico que algumas situações são circunstanciais e mudam com o tempo; não estamos falando sobre essas...]

Em termos mais amplos, a psicologia adaptou o conceito com a ideia de que 'é muito mais fácil saber o que NÃO se quer do que aquilo que de fato queremos'. Isto é, não sei se quero ser engenheiro, mas tenho certeza de que não quero ser médico. Não sei se quero continuar no meu trabalho, mas tenho certeza que não quero abrir um restaurante.

Isso tudo já aparece em Schopenhauer (sintetizado por Marco Lucchesi): 'Notamos a dor, mas não sua falta; a angústia, mas não a serenidade: o bem-estar - portanto - é absolutamente negativo.'

Acho tudo isso bem elegante.