sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Cartas a meus filhos

XI

Filhos,

Muito se tem dito sobre “pais ausentes”, nem tanto fisicamente, mas principalmente pela falta de autoridade e de propagação (não propaganda) de conhecimento.

Eu concordo com a tese. Acho que o mundo tem recebido muitos filhos pouco acostumados a ouvir “não”, muito mimados. Até pela influência dos nossos ascendentes – meu pai, meus avôs, bisavôs – muito disciplinadores, queridos e respeitados por toda família, tive a preocupação de dizer “nãos” pra vocês desde cedo. Lembro como fiquei “orgulhoso” quando o Pedro, ainda engatinhando, queria bagunçar na cozinha com a comida do Zig, mas voltava, obediente, quando eu dizia “isso não”.

Num desses dias, depois de um “não vá bagunçar a comida do Zig”, disse um “não brinque aí perto da quina” e talvez um “não rasgue os livros”... Foi então que a mamãe percebeu e me deu um toque: talvez devêssemos selecionar só alguns “nãos”. Foi a primeira vez que percebi talvez o maior dilema de ser pai: quando intervir? e quando deixar rolar?

Começou a passar todo um filme na minha cabeça das inúmeras vezes que meus pais sofreram por nós e que não puderam fazer absolutamente nada mais que assistir ao sofrimento: uma derrota doída nos nossos esportes, uma porrada amorosa, um vestibular ou uma prova de motorista. Você põe o filho no mundo e vê a vida bater nele.

Na verdade, às vezes, não é nem uma porrada da vida. É só uma dor de crescimento mesmo. Não adianta eu fazer o exercício de matemática pra vocês. Vocês vão ter que errar sozinhos.

E a angústia dessa carta é justamente porque vocês já começaram a nos oferecer algumas dúvidas sobre desenvolvimento, questões sobre esse “viés da intervenção”. Numa “Oração dos Fieis” que o vovô me entregou sobre a missão de ser pai, tem um item que fala um pouco sobre isso:


Rezo a Deus para que eu tenha a coragem, a competência e o conhecimento para intervir quando eu tiver que intervir; que eu tenha a serenidade e a mansidão para que deixar que vocês andem por conta própria quando tiverem que andar por conta própria; e que eu tenha a sabedoria e a inspiração de Deus pra reconhecer a diferença.

Amo vocês.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Cartas a meu filho

X

Filhos, já disse outras vezes: o crescimento do amor com o nascimento de vocês foi uma coisa mágica, gigantesca, mas veio acompanhado por um medo muito forte. O medo d’eu morrer. O medo de um de vocês morrer. O medo da mamãe morrer.

Um amigo do papai está com um desafio maior pra encarar esse medo. Um câncer pesado. Ele - como eu - tem 2 filhinhas - como vocês. A associação é óbvia. Não digo que a dor dele é a minha dor, porque simplesmente não é: ele é quem sente as dores e os enjoos do tratamento, não eu. Não posso dizer que sei o que ele sente. (A mamãe falou sobre isso outro dia: a diferença entre empatia e identificação). No entanto, o medo dele é o meu medo. O medo dele é a materialização do meu medo. Nesse ponto específico, estamos juntos.

Desde que ficamos sabendo dessa doença, filhos, muitas ideias relacionadas ao assunto me chegaram. Algumas por querer, outras nem tanto. Claro que meus olhos e meu coração estavam mais atentos pra essas mensagens. Li sobre métodos novos pra atacar as células ruins, por exemplo. Na missa passada, no Evangelho do Sermão da Montanha, aprendi que aquelas promessas de felicidade celestes são um convite para nossa esperança aqui nessa vida. Quem tem esperança já começou a ser um pouco feliz. E, essa semana, num livro que me apareceu, li essa pérola:
"Cavamos abismos quando já os temos dentro de nós. E eles surgem da nossa desesperança. É a desesperança que cava abismos. E o homem desesperado, quando não mais espera o que esperava, precisa encontrar o que não tem.  E o desespero, que está virtualizado no crente fiel, atualiza-se no homem que duvida. Cavam abismos os que duvidam."

Filhos, a esperança não é racional, é uma virtude. O mundo vai dar motivos, mas nunca percam a esperança.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

~Verdades~ goela abaixo


É impressionante a capacidade d’o Brasil criar ‘verdades’ ‘unânimes’. Em especial, as que atendem a pauta esquerdista.
Por muito tempo, o simples fato de não dizer ‘amém’ para o pensamento vermelho foi visto como deformação de caráter: ‘Nossa, como assim você não quer justiça social e paz mundial?????’.

Um assunto que veio à tona mais forte recentemente (talvez pelas loucuras do Trump, talvez pelos acertos do Brexit) é o multiculturalismo. Virou crime fazer cara feia para a miscigenação irrestrita dos povos e costumes. O ‘multiculturalismo é bom’ virou uma daquelas ‘verdades unânimes’. Sei...

Acho que a ideia antagônica ao multiculturalismo é ‘patriotismo’, soberania, respeito à cultura local, às tradições. Mas outro dia, perguntei pra uma amiga e ela respondeu ‘xenofobia e racismo’!!! Não é fácil acompanhar essa lógica.

Meu ponto é que, pro brasileiro, multiculturalismo significa ir à Vila Madalena e poder escolher entre o restaurante árabe, tailandês ou a velha e boa pizza. Não tem um vizinho com 12 esposas legítimas, não tem um imigrante ilegal empregado enquanto você está desempregado, não tem um cara na rua que explode porque a religião assim o manda. (O assassino brasileiro é gente como a gente. hehe)

O multiculturalismo assume que TODA miscigenação é boa. E isso é obviamente uma falácia. Sorvete é bom. Catchup é bom. Sorvete com catchup não é bom. ‘Ainnn, o brasileiro é um povo por definição miscigenado.’ É verdade. E o 'anti-multiculturalista' NÃO diz que NENHUMA miscigenação é boa. Mas provavelmente precisam ter alguns elementos em comum, algum nível de associação, alguma possibilidade de adaptação. Sorvete é bom. Caramelo é bom. Sorvete com caramelo é bom. Um homossexual nunca vai ser bem quisto numa cultura islâmica. Por definição.
E, claro, algum nível de respeito; um é o solvente, outro é o soluto. Uma mulher chegando na Arábia vai usar véu. Não é a árabe que vai passar a usar mini-saia em casa.

Ainda na linha das comparações bestas mas úteis, a fé cega no multiculturalismo é pensar em fazer um festival musical com hard rock e sertanejo no mesmo lugar. Não vai ser legal nem pra uns, nem pra outros. E essa constatação, por si só, não quer dizer que um seja melhor que outro. (Mas é importante notar que, sim, pra uns, um será melhor que o outro; e pra outros, o outro será melhor que o um.)
Um mundo todo adepto ao multiculturalismo seria um mundo todo igual, todo bege, todo chocho. Você não precisaria viajar pra Tóquio, Moscou, Tofo ou Jerusalém. Seria tudo a mesma coisa que a tua rua.

O interessante é que muitos adeptos do multiculturalismo não aplicam a teoria à sua própria vida (como, aliás, é típico dos esquerdistas). Um amigo ‘escandalizado’ com a ‘onda nacionalista ao redor do mundo’ é um agente ativo na sua associação de bairro. Há alguns anos, numa bela praça em declive bastante frequentada por crianças e cachorros, colocaram paralelepípedos no lugar das lombadas. Pelo jeito, eles não estavam muito a fim de miscigenar as crianças com os muitos skatistas que começaram a frequentar o local para aproveitar a inclinação da rua. Recentemente também fizeram uma grande reforma, com especial ênfase na iluminação. Também não acharam legal miscigenar a molecada com os nóinhas do escuro. Na teoria, a prática é outra.

Encerro com Dalrymple: o multiculturalismo é apenas mais uma faceta da estratégia esquerdista de fortalecer elos externos com o intuito de enfraquecer os elos internos da sociedade. Tem a mesma semente do trabalhismo e do ambientalismo, por exemplo.

É amar o sírio e tratar mal o próprio pai.

O Sermão da Montanha, a (in)capacidade de se mudar e a esperança como felicidade

O Evangelho da semana passada foi o Sermão da Montanha (Mateus, 5). Gosto especialmente desse trecho desde o curso de 1ª Comunhão, talvez pela estrutura lógica agradável à minha mente matemática: se fizer isso, então terá aquilo, se for pobre de espírito, então terás o Reino dos Céus, e assim por diante.

Existe um versículo nesse trecho que sempre me cutuca: os “mansos” herdarão a terra. Nunca me reconheço nele, e não evoluo de ano pra ano. É sempre um convite a esse difícil desafio.


Mas venho escrever sobre esse assunto por um outro motivo. Ouvi uma homilia que abre toda uma nova dimensão para esse Sermão. Jesus nos promete a felicidade, mas não nessa vida. Todos os “se’s” são dessa vida, todos os “então’s” são celestes. Uma conclusão possível seria desanimadora: ‘esquece!, nessa vida não haverá felicidades como no Céu!; desencana!’. Mas não. No tumulto da vida terrena, a promessa de felicidade celeste já nos enche de esperança. No exato momento em que o sujeito se recobre de esperança, ele já começou a ser feliz. A esperança é o aperitivo necessário para o banquete da felicidade.