quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Aos amigos Cepa e Laura


Cepa, meu amigo, sua mensagem foi linda. Pesada mas linda. Não soube como responder - e essa carta é uma tentativa -, mas não tive vontade de chorar. Já choramos demais ao longo do caminho. Sua mensagem nos traz serenidade e paz.

"Mas por que, Deus? Por que, Deus?". Não cabe essa pergunta. Essa vida nos é dada sem sabermos e nos é tirada sem pedirmos. Mas o que fazemos nela é o que define o que será depois da passagem. Lembro de uma frase que marcou minha infância pelo joguinho de palavras bestas, mas que foi criando sentido ao longo da minha vida: 'Quando você nasceu, você chorou e as pessoas ao seu redor sorriram; viva sua vida de modo que, quando morrer, seja você a sorrir enquanto os outros choram'. Por muito tempo, não tive medo de morrer; tinha medo, sim, de morrer com um velório vazio. Meu amigo: você cumpriu a missão. A energia que você deixa é o melhor que alguém pode fazer por aqui.

Quando conversamos pela primeira vez após a confirmação da doença, você me disse que, dias antes de descobrirem, você comentou com a Laura que sentia falta de certa espiritualidade. Aquilo ficou marcado na minha cabeça. Talvez, essa história tenha sido justamente para trazer essa espiritualidade, não só pra você, mas pra toda sua família. Do ponto de vista cristão, a boa vida é a que abre as portas para outros irmãos. Sua família viverá no Reino dos Céus, pelo sacrifício da sua vida. Literalmente. Isso é o mais perto que conseguimos da Imitação de Cristo. Parabéns, cara, você conseguiu. Você é um vencedor.

"Mas e a Laura? E a Marina? E a Bruna?". Meu amigo, elas vão sofrer. Pra caralho. Mas só sofre quem ama. E só ama quem quer a Verdade. E a Verdade é essa espiritualidade que você encontrou com elas. Elas vão passar e se tornar pessoas melhores. Até porque você vai estar presente no coração de cada uma delas. O tempo todo. Não sofra por elas agora. Damos os ombros uns aos outros, mas cada um tem a sua cruz. Assim como eu queria carregar um pouco dessa sua cruz pra te aliviar - e não posso -, você também não pode carregar essas cruzes que são delas. E se são delas é porque elas podem carregar.

      Por muito tempo achei que a ausência é falta.
      E lastimava, ignorante, a falta.
      Hoje não a lastimo.
      Não há falta na ausência.
      [Drummond]

Mergulhamos só umas 20 ou 30 vezes juntos e fico feliz em saber que você estará em todo e cada mergulho que eu fizer na vida a partir de agora. Não deixe de olhar por nós, por favor. E quando chegar minha vez, se eu for digno de ir pro Céu te encontrar, se der, por favor, venha me receber logo na entrada: tenho medo de não ser tão forte e tão bom como você.

Te amo, cara.
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Laura, querida,
mandei uma mensagem pro Cepa, mas não paro de pensar em você. Ele parece sereno, em paz, e isso só é possível porque ele tem um anjo como você por perto.

No início do ano, numa crise de choro, fui rezar ainda mais intensamente. Era março, dia 19, dia de São José. E a história de São José caiu como uma luva para o que eu sinto por você. São José foi um santo "low-profile", um "ator coadjuvante". Estava sempre "à sombra" de Jesus e Maria, sempre servindo Jesus e Maria. Mas estava sempre ali. Numa pergunta que te fiz sobre VOCÊ por whatsapp ("E aí, como VOCÊ está?"), você respondeu sobre o Cepa. Você se esvaziou pra encher o Cepa. Você viveu pra servir o Cepa. Que belo dom é o dom do servir. Que linda história. Você deve ter chorado algumas vezes, num canto; um choro contido, escondido. Como São José. Você é o nosso São José.

Você tem uma grande cruz pela frente. Pode xingar Deus. Ele te entenderá e não vai se magoar. E vai te consolar. Mas lembremos que o "Seja Feita a Sua Vontade" do Pai-Nosso não tem condicionante; NÃO é "seja feita a Sua Vontade DESDE QUE não leve nosso Cepa". A fé é um modo de aceitar o que - TALVEZ - só faça sentido mais tarde. O Cepa estará mais presente do que nunca e mostrará suas marcas - vividas e sentidas - nos nossos corações, especialmente nos de vocês três.

Não tenha medo do futuro. De novo no Pai-Nosso, "o pão nosso de cada dia nos dai hoje". Não 'os pães do resto da vida nos dai hoje', nem mesmo 'o pão de amanhã nos dai hoje'. "Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará suas próprias preocupações. É suficiente o mal que cada dia traz em si" [Mt 6,34].

Não é tanto o que me dói que me assusta; mas o que pode doer. Os sábios reconheciam que o mais poderoso recurso da imaginação é o medo, que pode ser definido como uma mentira muito sofisticada. O medo não é a subversão de um fato ou evidência, mas uma mentira sobre o tempo. Ele não distorce a realidade em si, apenas o seu tempo. Em vez de olhar a realidade no presente, o medo faz com que a vejamos nas imagens projetadas sobre o futuro. Como o futuro ainda não existe, tudo aquilo pelo qual nos preocupamos está no território da mentira, produzido pela inventividade. O medo tenta neutralizar o elemento mais poderoso do corpo e que tanto o ameaça: a dor. Diferente do medo, a dor localiza-se no território da verdade, que é o agora. [Nilton Bonder]

Sejamos sinceros: 1. essa dor não vai passar. NUNCA. Vocês (nós) vamos nos acostumar com ela, mas essa dor sempre vai nos cutucar. Mas 2. APESAR DISSO, vocês vão ficar bem. Vão ficar pessoas ainda melhores.

Até o nosso dia chegar... E aí, o reencontro terá sabor de infinito.

Laura, você é um anjo. Continue iluminando quem passa pelo seu caminho.
Que São José, Protetor das Famílias, te acompanhe sempre. O Cepa estará junto.
(E eu quero também estar por perto)

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Essa vida...

Acho que chega um momento na vida de reflexão de toda pessoa no qual ela se pergunta ‘qual é a dessa vida...?’. Seja por uma tristeza pessoal muito grande, seja por uma sensação de injustiça generalizada.
Por que o mundo é ruim se Deus é bom?
Por que Deus permitiu a existência do Mal?

Pessoalmente, tive o pico desse sentimento ao longo desse ano. Estudei mais, entendi que essa não é uma Vida de Justiça, e sim de Misericórdia. Mas aí, veio um sentimento perigoso: o de ‘apequenamento’, de ‘desimportância’ dessa vida. Cheguei a conversar com uma grande amiga, baita psicóloga jungiana, que me apresentou o conceito de metanoia, a ‘crise de meia idade’, especialmente pra alguém que já se formou, já trabalha há bom tempo, já é casado, já tem 2 filhos... E agora, o que fazer desse ‘restinho de vida’ que me sobra? Procurei mais ajuda: conversei com um padre amigo, busquei outros sermões. Disseram-me: essa vida é tão importante que o Próprio Deus resolveu viver nela. 

E acho que cheguei numa resposta. [Tenho a impressão que esse é um tipo de pergunta-resposta que vai mudando ao longo de toda vida; tenho a impressão que vou reler esse texto no futuro e me sentir meio simplista...] Enfim...

Essa vida é como o dito popular: ‘seu caráter é o que você faz quando não tem ninguém olhando’. O Bem feito apenas para chamar atenção perde um pouco do Encanto. É auto-marketing, não o Bem em si. Como Jesus diz no Evangelho: quando jejuar, não fique com cara amarrotada mostrando sofrência; quando orar, não grite para ser ouvido; que a mão direita não saiba quando a mão esquerda doou... Se nos fosse dada a evidência do Céu e do Inferno, como distinguir quem faz o Bem porque simplesmente é Bom daqueles que fazem o Bem por mero medo do Inferno? Ou seja, essa vida é nossa oportunidade de mostrar se somos Bons por convicção, por crença, por simplesmente achar que o Bem é o Bem, independentemente da certeza de recompensas. Embora nossa fé diga, sim, que haverá recompensa: a vida eterna no Céu (vis a vis a vida pra sempre no Inferno).

O sofrimento, a tristeza, a resistência à injustiça são provações que temos que passar pra chegar lá.
E aí, sim, poderemos viver num mundo sem o Mal.