sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Xinguem os números. Ou: cuidado, vó!


No debate pra eleição de governador em São Paulo em 2010, um dos candidatos (acho que o ex-neo-queridinho Russomano) perguntou pro candidato Alckmin sobre as propostas para combater a violência em São Paulo e terminou com algo como 'Mas não me venha com estatísticas, não...'.

Dei risada.
Talvez seja verdade que, em alguns casos, 'estatística seja a arte de fazer os números confessarem'.
Madre Teresa dizia que, se ela fosse olhar as desgraças de todo o mundo, não ajudaria o próximo, ao lado. E, se não ajudasse a pessoa ao lado, o mundo não melhoraria. Isso é válido para igrejas, psicólogos, assistentes sociais. Minha esposa trabalha na Brasilândia, um dos locais mais afetados nesses meses. O bicho pegou e eu ficava tenso. Mas era uma questão muito mais qualitativa do que quantitativa.

Com relação ao Estado, não há outro modo para tomar decisões e medir os resultados, se não pelas estatísticas.

A grande diferença da crise pela qual São Paulo passou é que foi justamente isso: uma crise. Aguda, não crônica. Pontual, não sistemática.
Não deve ser minimizada. A polícia tem que entender os motivos que levaram o PCC a se rebelar novamente. E evitar. Mas a imprensa não tem que ficar na base do achômetro. A entrevista que o Canal Livre da Band fez com um coronel da PM foi muito interessante. O link aqui. Os jornalistas faziam comentários de botequim e o coronel respondia com dados.

Mas vamos aos números.
A OMS estabeleceu uma métrica para definir o que pode ser considerada uma cidade 'violenta': menos de 10 mortes por 100 mil habitantes por ano, a cidade está ok; mais do que 10 por 100 mil habitantes, a cidade passa a ser 'endemicamente' violenta. Para essa métrica, eles consideram os 'crimes violentos letais intencionais (CVLI)': homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte.

São Paulo teve 10,8 dessas mortes por 100 mil habitantes em 2011. Em 2012, deve subir para algo em torno de 11,5. E, com esse número é, simplesmente, o Estado mais seguro do Brasil.

Muita coisa do que pensei em escrever já estão aqui e aqui.
Um dado interessante é que, mesmo extrapolando esse pior cenário por todo ano, São Paulo ainda é o Estado mais seguro. É dado, não opinião.
Não adianta discutirem comigo ou com a Veja ou com quem quer que seja.
'Ah, mas eu conheço um vizinho do meu tio que foi assassinado'. Sim, são 11 assassinatos por 100 mil habitantes por ano. Não zero. Infelizmente.

Xinguem os números.
Aliás, publico a tabela abaixo, mas consultem vocês mesmos aqui. Página 28, tabela 10. Antes de questionar os dados, lembro que se tratam de publicações do próprio Ministério da Justiça.



'Ah, mas quem diz que os dados são confiáveis? Quem garante que nem toda morte na praia é considerada afogamento, como em Tropa de Elite?' 'Tu é legista, mermão??'.

Bom, compartilho a opinião - e, no fundo, é só isso mesmo, uma opinião, um chute - de que furtos não são mesmo denunciados pela população através de boletim de ocorrência. Mas morte? Sumiço de corpo? Hum... Sei não. E, SE houver, mais provável que seja em Estados menores, mais distantes, com menos gente, não?

Aliás, São Paulo é o único Estado que divulga seus números de segurança mensalmente e abertos por delegacia. Ou seja, se você é um estagiário de jornalismo em um portal qualquer, terá pelo menos um tema garantido por mês! Sempre terá números novos pra você descer a lenha. (No Acre, por exemplo, as últimas estatísticas ainda são de 2009).

E, sobretudo, São Paulo prende. São Paulo tem cerca de 22% da população do Brasil e 41% da população carcerária nacional. Quiseram comparar a ação das UPPs do Rio com a ação da PM na favela Paraisópolis em São Paulo. Não tem NADA a ver. A UPP é tomada de território. É war, futebol americano, Combate da Estrela. Era uma terra do tráfico, que o Estado recuperou. O símbolo é hastear a bandeira da cidade e do país. Em São Paulo, não foi isso. A polícia entrou pra prender. E prendeu mais pessoas do que todas as UPPs somadas. Veja bem: não estou criticando a ação das UPPs no Rio, não. A ação é correta. Mas é um estágio anterior a prender. Lá, os bandidos foram simplesmente espalhados.



'Ah, mas São Paulo ainda não está bom'.
É verdade. Não está e tem muita coisa pra fazer. Mas isso não justifica mentir, não justifica bater nos dados. Pra efeito de comparação, Nova Iorque tem cerca de 7,5 mortes por 100 mil habitantes por ano e Chicago tem 15. Sim, senhores e senhoras, São Paulo é só um pouco mais violenta que Nova Iorque e mais segura que Chicago.

'Ah, mas a sensação não é essa'.
Esse é, de fato, um grande problema. Difícil arrumar, ainda mais quando não olhamos os números.
Vale também lembrar, jogando um pouco de polêmica ou conspiração no ar, que o percentual da 'indústria da insegurança' (seguranças particulares, redes elétricas, monitoramento remoto, blindagem) no PIB não é pequeno (li sobre um estudo do IPEA que estima em 5% do PIB, mas não encontrei o artigo original). Ou seja, há interesses econômicos nisso tudo também.

Dica para os críticos
Se quiserem bater no governo estadual (ou mesmo nos paulistas, a nova moda brasileira), sugiro não tentarem refutar os números. Um caminho pode ser dizer que o governo não tem responsabilidade nenhuma nessa melhora (dos últimos anos). Isso é mais crível. Sério. Os economistas do Freakonomics captaram correlação de décadas atrás para redução da violência atual (no caso de lá, a liberação do aborto). Malcoln Gladwell, em seu Outlier, diz que a violência parece ter algo como 'ciclos endógenos', ou seja, crescem e diminuem sem muitas razões claras, numa espécie de manada irracional. Se quer xingar, vá por esse lado. 'São Paulo melhoraria de qualquer jeito'. Melhor que bater nos números.

Finalizando
No mês passado, quando liguei para mandar um beijo pra minha avó, que mora no interior de Minas, ela ficou uns 5 minutos falando pr'eu tomar cuidado na rua, que a cidade era um caos e tudo mais. Coitada. É o que aparece na TV. Na cidade dela, nos últimos 12 meses, devem ter tido umas 2 mortes. São cerca de 2.500 habitantes, ou seja, uma taxa de 80 por 100 mil habitantes por ano. Pensei em fazer toda essa argumentação com ela pelo telefone. Mas não sei se seria uma boa. Fica aqui minha resposta: cuidado vó! A probabilidade da senhora morrer assassinada aí é 8 vezes maior do que eu aqui...