quinta-feira, 31 de março de 2011

Burgueses boêmios

"Bubos no Paraíso, a nova classe alta e como chegou lá" foi uma grata surpresa indicada pela amiga Tati. O livro faz uma análise crítica, bem humorada e irônica sobre a atual classe alta.
Passeando sobre temas como consumo, prazer, vida empresarial, espiritual e política, o autor se inclui na classe, tornando a tirada mais sutil. Ao longo do livro, identifiquei vários traços de muita gente ao meu redor, incluindo - lógico - eu mesmo...
Sem querer estragar o prazer da leitura, quis repassar aqui alguns trechos, tão espetaculares.

Em essência, a nova classe alta é uma CONCILIADORA de conceitos até então quase diametralmente opostos. O neologismo "bubo" vem de burgueses boêmios. Historicamente conflitantes, burguesia e boemia se encontram na atual classe alta: desejosa de grana e lazer, de ortodoxia e flexibilidade.

São pessoas que querem “mostrar - e não para si mesmos - que embora tenham chegado ao topo da escala não se tornaram todas as coisas que ainda professam desprezar.(...) Que navegam as águas rasas entre sua riqueza e o respeito próprio. Que conciliam seu sucesso com espiritualidade, seu status de elite com ideais igualitários (...). Portam adesivos 'Abaixo a autoridade' nos carros, mas dirigem empresas com 200 subordinados. São ricos mas contra o materialismo. Passam a vida vendendo, mas se preocupam em não se vender.”
São ricos bem sucedidos e, ao mesmo tempo, rebeldes de espírito livre; conciliam o espírito da imaginação com o culto ao resultado financeiro. São prósperos sem parecer gananciosos, agradam os mais velhos sem parecer conformistas, ascenderam ao topo sem que tivessem desprezado explicitamente quem está embaixo, alcançaram o sucesso sem que tivessem cometido certas afrontas socialmente sancionadas ao ideal de igualdade social, são mais religiosos mas sem ser submissos às autoridades religiosas...
Possuem carros com tração nas quatro rodas, mesmo sabendo que, no máximo, vão enfrentar algumas estradas esburacadas. Gostam de trabalhar de jeans e camiseta. Colecionam objetos de culturas nativas ou possuem decoração rústica no meio da sala de alguns milhares de dólares.
Esse (não tão) aparente paradoxo é a tônica do livro, recheado de exemplos reais que são, justamente, onde nos reconhecemos.

Se, antigamente, o início de uma conversa da classe alta era “De onde você veio? Quem são seus pais?” (pois o sangue bastava para definir a elite), hoje passou a ser “O que você faz?”. Talvez por isso, a angústia da classe alta atual seja a consciência de que não se consegue garantir o filho nessa mesma elite.

Uma característica que destaco é o que o autor chama de “perfeição das pequenas coisas”: a classe alta deseja saber (e sabe!) tudo sobre ferramentas, fotos, filmes, esportes, decoração, construção... E gasta muito dinheiro com tudo isso. Por trás, é o desejo de dar importância ao não-trabalho, como se usar a inteligência só no âmbito profissional fosse um desperdício. O mundo não podia perder tanto talento...
Outra parte em que me diverti bastante foi sobre as férias. A elite atual não deseja aquela viagem tradicional para Paris para pedir a namorada em casamento. Não cogita aquele passeio com a família toda para Costa do Sauipe com a CVC. Isso é passado, isso é (só) burguês. Hoje, a elite quer passear sem rumo pela Europa (“só comprei a passagem de ida e a de volta...”), quer conhecer Camboja e Moçambique, aprender francês no Senegal, fazer trilha que “os soldados de Alexandre, o Grande, só fizeram porque estavam ameaçados de morte”...
A atual classe alta é a mãe do “politicamente correto”: já não se incomoda com beijo gay no meio do shopping; mas “ai” de alguém que quiser defender o lucro de uma empresa sem se preocupar com o ambiente.

Pra mim, que sou crítico do “moleque vermelhinho que vai conhecer Cuba com o Amex do pai” e da “menina que larga o acampamento do MST por 2 meses para fazer um intercâmbio em Londres”, foi um balde de água fria. O livro me mostrou que, embora em uma escala bem menor, eu também sou um prato cheio de “incoerências”.

segunda-feira, 14 de março de 2011

A lógica da vida e um - por enquanto único - bom argumento pró cotas

Acabei de ler "A lógica da vida", de Tim Harford, indicação do amigo Balu.
O autor defende o processo decisório racional sobre todas as coisas, ou seja, diametralmente oposto a um outro economista que já citei por aqui, Dan Ariely, de quem sou fã.
Harford discorre sobre o aumento do sexo oral, a concentração de mesmas etnias em alguns bairros, os riscos de crimes violentos, as vantagens da cidade em relação a zonas rurais, sempre usando lógica ou incentivos racionais para embasar a decisão dos "atores" desses casos.
O livro é interessante.

Mas o que me motivou a escrever um post sobre o livro é o primeiro - e até agora único - bom argumento para cotas raciais em universidades.
Harford divide o racismo em duas categorias: o racismo de preferência e o racismo racional.
O primeiro se trata de uma opção sem muito embasamento: alguém pretere um negro simplesmente porque não gosta de negros. É uma estratégia burra pois acaba se perdendo o funcionário negro preparado para um concorrente não racista, ou seja, está condenada a desaparecer no longo prazo.
Já o racismo racional é o perigoso, pois é baseado em estatísticas e, portanto, tende a dar lucro e/ou ser sustentável. Um executivo que tem tempo para fazer apenas 5 entrevistas, por exemplo, tende a otimizar a "pré-escolha" desses 5 candidatos. Como - é fato - os negros estatisticamente ainda possuem uma educação de mais baixo nível do que brancos, é racional que o executivo já pré-escolha 5 brancos para as 5 únicas entrevistas para aquela 1 vaga.
Daí, a lógica de garantir cotas para negros: quebrar esse paradigma de que negros estatisticamente tiveram uma educação pior. A partir do momento que o tal executivo questionar a estatística ou, em outras palavras, começar a desconfiar que ela possa estar mudando, ele não terá porque pré-escolher 5 brancos para seu curto tempo.

Ainda tenho convicção de que os malefícios das cotas são muito maiores que os benefícios, mas quis deixar registrado um bom argumento contrário, além da minha disposição em rever ou questionar minhas certezas...