domingo, 21 de abril de 2024

Submissão, de Michel Houellebecq


Não concordo com a apresentação geral do livro como uma “distopia”. Checando o sentido denotativo de “distopia” - lugar ou estado imaginário -, nada mais distante de Submissão.

Existe, é claro, uma forte característica premonitória. Michel Houellebecq publica o livro em 2015, num enredo que se passa 7 anos depois, em 2022, e sua “assertividade” é bizarramente alta. Assustadoramente alta. Houellebecq publica em 2015, mas poderia estar escrevendo num jornal qualquer de 2022.

“O óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar” e, em 2015, Houellebecq apontava pros riscos que a sociedade ocidental corria. E, que em 2024, tem gente que ainda nega, mesmo com a realidade batendo na cara.

Googlei para saber se havia alguma crítica sobre plágio na obra. Pensei nisso porque François, o protagonista, poderia ser Antoine de ‘Como me tornei estúpido’ de Michael Page ou mesmo Meursault, com seus “Tanto faz”, de ‘O Estrangeiro’ de Camus. Um homem ordinário em uma vida ordinária questionando ordinaria e diariamente se vale a pena viver ou não. No final - atenção para um mini spoiler - a conversa sobre a Criação entre François e Rediger me lembrou uma versão for dummies e islâmica do trecho do Grande Inquisidor de 'Irmãos Karamazov'.

Essa “ordinariedade”, essa autorreflexão sobre o sentido (ou falta de) da vida é um assunto que eu adoro e, assim, foi fácil pro livro “me ganhar”.

Adicionam-se um quê de “análise” política (meio fictícia, teórica, escancarando sua universalidade), uma espetacular sátira à “intelectualidade” universitária e uma forte crítica ao "suicídio" da sociedade ocidental. Aliás, esse paralelismo em toda a obra entre o suicídio pessoal-individual de François e o suicídio coletivo-social da França é coisa fina do autor.

Sua leitura realmente foi um grande prazer.

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“As civilizações não morrem assassinadas; elas se suicidam”.

“O islamoesquerdismo, ele escrevia, é uma tentativa desesperada de marxistas decompostos, putrefatos, em estado de morte clínica, de se alçarem para fora do lixo da história agarrando-se às forças ascendentes do islã. No plano conceitual, são motivos de chacota.”

“O comunismo só conseguiria triunfar se fosse mundial. A mesma regra, advertia ele, valia para o islã: ele seria universal, ou não seria.”

“Submissão. A ideia assombrosa e simples, jamais expressada com essa força, de que o auge da felicidade humana reside na submissão mais absoluta.”