sábado, 7 de julho de 2012

APESAR DE...


Sempre fui um cara pessimista; talvez, preocupado. Na origem, quem sabe, isso se deva à tradição judaico-cristã, de zelo presente e preocupação com o futuro. A mudança do mundo corporativo em um banco para a gestão de uma empresa própria me empurrou pra ‘vida de verdade’. Casar com uma psicóloga que trabalha com dependente químico ainda mais. As sujeiras e tristezas do mundo ficaram muito próximas. A seqüência de desilusões políticas foi minando minha pouca esperança restante. No trabalho, clientes querendo dar migué. Funcionários armando o bote pra sacanear. Em conversa de bar, sugiro ações de trânsito que restringiriam veículos privados. Amigos inteligentes refutam de imediato. Fico indignado. Num almoço, amigos que trabalham num grande fundo de investimento contam que os cabeças querem colocar grana em logística e infra-estrutura no Brasil, mas a burocracia impede... Fui dar uma olhada em filosofia, alguns pensadores e logo gostei das idéias niilistas: ‘tudo isso pra quê mesmo?’. Li Nietzsche e sua crítica ao idealismo. Vi-me em um paradoxo: como ser simpático ao niilismo e ser católico ao mesmo tempo? Como não ver sentido na vida e ter (que ter) esperança num mundo melhor? Conversei com minha terapeuta, com o padre, com um vereador e até com um professor-filósofo. Fui apresentado a Soren Kierkegaard, um raro existencialista, angustiado, que se manteve cristão. Ainda não o conheço direito. Com o vereador, quis mostrar idéias de trânsito – também tenho estudado –, disparado o item que mais me incomoda numa cidade grande. Não entro na crítica fácil a ‘esses políticos malditos...’. A política somos nós. A Câmara é um conjunto aleatório de quaisquer 513 brasileiros. O cara me recebeu bem, mas vi que a boa vontade dele não bastava. O buraco é bem embaixo. Nos sermões do padre, o convite à ação diária. Na conversa pessoal, ele concordou comigo sobre o momento difícil da humanidade, de transição, com pouca luz no túnel. Relembrou a ideia de buscar portos seguros, instituições, em especial, a família. Ah, minha família... Tive um momento de paz ao perceber que nela poderei ficar bem, sem precisar pensar. Pensando na continuidade, começamos a pensar em filhos. Mas aí lembrei de Brás Cubas: ‘Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.’ E aí, volta a dúvida: ‘Como colocar um filho nesse mundo? Coitado...’ E a terapeuta dando liga, sugerindo que eu me cobre menos. Não sou fã do Brasil. Não gosto do ‘jeitinho’ brasileiro, tão encarnado no nosso dia-a-dia, a lei de Gerson. O brasileiro não é solícito; é uma auto-ilusão. Na verdade, chego a pensar que é diametralmente oposto a isso. Por que não largar o osso? Não foram poucas as vezes que me colocaram o ‘ame-o ou deixe-o’. Até eu mesmo me perguntei. Visitei um amigo no Canadá, tenho amigos nos EUA, na Alemanha, Austrália, na África do Sul, Cingapura,... Todos com seus bens e seus poréns. A grama do vizinho é sempre mais verde, é difícil ser ‘pra sempre’ um ‘imigrante’. No fundo, todo cético-ao-extremo vivo, todo niilista vivo é um incoerente; deveria se matar. Prefiro, então, a incoerência. Continuarei vivendo. Minha esposa, talvez quem melhor me conheça, não me considera mal-humorado, apesar de tudo isso. Ranzinza mas bem-humorado. Acordo sorrindo, vou dormir sorrindo. Tenho amigos com os quais eu sorrio. Vivo (ou sobrevivo) apesar de tudo. Talvez seja esse o princípio para ultrapassar o niilismo, se tornar o tal Übermensch. Ou talvez seja só parar de pensar. Sorrio apesar de tudo.

UPDATE: No exato dia em que escrevo esse texto, leio à noite em 'Ecce Homo' de Nietzsche:
A dor não aparece como objeção contra a vida: "se já não tens alegria alguma para me dar, bem!, tens ainda a tua dor..." (...) de tal modo que a preamar me impossibilitava o sono durante a noite, proporcionava-me quase em tudo o contrário do que era de desejar. Apesar de tudo e quase como demonstração da minha máxima de que tudo o que é decisivo acontece "apesar de".