Tive o prazer de assistir ao seminário organizado pelo
Insper, Harvard e Columbia (através dos respectivos escritórios no Brasil)
sobre a Administração de Mega Cidades, com ênfase em São Paulo.
Além de 2 palestras com visões mais macro (do economista Edward Glaeser e do prefeito Fernando Haddad),
o seminário foi composto por 4 mesas (1 palestrante + 2 comentaristas) com os
temas: educação, trânsito, segurança/violência e visão estratégica.
Gostei BASTANTE. Com uma única exceção, as palestras e
debates foram muito bons. Já falei sobre Ed Glaeser aqui: é o defensor entusiasta
da vitalidade das cidades, das suas microrrelações diárias e do ganho
exponencial com a proximidade do conhecimento.
Mas quero falar de 2 temas específicos: política e trânsito.
Politicamente, é triste constatar que a única palestra RUIM
foi a do prefeito. Falou um monte de obviedades zagallianas (“Defesa, vamos
defender!!”; “Atacantes, vamos fazer gols!”; “Precisamos melhorar a mobilidade
e aumentar a segurança!!”). O pior é não identificar início, meio e fim nos
argumentos. Se me perguntarem sobre o que ele falou, juro que não sei
responder. Por outro lado (e para não dizerem que essa minha opinião sobre
Haddad é completamente enviesada), duas das palestras mais interessantes foram
de pessoas-chave na administração petista: Ciro Biderman, da SPTrans, e
Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano (acho que foi o
1º nome que Haddad anunciou; pertence ao “núcleo duro” do prefeito). Ambos
mostraram-se preparados para as respectivas funções. Embora haja bastante
coisa que continua da administração anterior (do neo-aliado Kassab), parece
existir um clima de “transição”, de “nova fase”. Tenho um pouco de receio
quando ouço petista falando assim (vão achar que SP surgiu em 2013 como fazem
com o Brasil 2002?), mas não deixa de ser saudável que a cidade de São Paulo
seja repensada, desde política de uso de solo, mobilidade, etc.
(Provocação barata: primeira vez que vejo uma “autoridade”
petista participando de um debate gringo sem precisa de head phones pra tradução... Ponto positivo para Fernando de Mello
Franco. Hehe)
Sobre a questão de trânsito, vou me estender um pouco mais.
Ciro Biderman, professor da FGV, agora na SPTrans, fez sua palestra defendendo a construção/incentivo de BRT (bus rapid transit) em contraposição ao metrô (e variações como o monotrilho) - menos flexíveis, mais caros - e
principalmente em relação ao uso do veículo particular.
Apenas lembrando, grosso modo (beeem grosso modo), o BRT é um
meio termo entre os corredores de ônibus e o metrô. Ou seja: ônibus maiores de
superfície (nas ruas mesmo, como os articulados que já existem), em vias
totalmente separadas, com vias para ultrapassagem, com diferenciação de linha
expressa e linha “paradora”, com embarque/desembarque em nível (ou seja, sem
precisar descer/subir escada para acessar o ônibus; esses 2 segundos de escadas são muito relevantes no acumulado do dia),
bilhetagem externa (não existe cobrador dentro do ônibus; a cobrança é feita no
ponto/plataforma), entre outras características. Trata-se de um modelo de
transporte de alta capacidade, mais barato e mais resiliente (mais fácil
adaptar a novos trajetos, situação impossível para uma linha de metrô, por
exemplo).
Pra melhorar, o palestrante ainda citou a redefinição das
rotas de ônibus para abordagens mais “pendulares”, isto é, não radiais, ligando
perifeira a perifeira, sem passar pelo centro.
Em suma, muito perto do que eu imagino pra São Paulo (Talvez
tenham percebido pelo modo como escrevi. hehe). (Faltou só citar um redesenho de
rotas para facilitar/incentivar comutações, como falei aqui...). Ou seja,
gostei bastante!
Vai ser muito difícil pra mim, mas se implementarem esse
modelo de fato, vou ter que dar a mão à palmatória e parabenizar a gestão
petista (ousando dizer que é o ato mais importante a ser feito em SP,
considerando TODAS as secretarias...).
José Luiz Portella, de quem gosto, ex secretário de
Transportes do Estado, mais ligado aos tucanos, foi um dos comentaristas. E fez
observações pertinentes. Disse que não precisa haver essa “competição de modais”,
no sentido de que todos são importantes e precisam ser ampliados (isto é, não
precisamos achar que um deles – no caso do Ciro, o BRT – é a solução de todos
os males) e colocou sérias restrições à implementação do BRT em São Paulo. Por
exemplo, lugares cruciais seriam a Santo Amaro e a Francisco Morato/Rebouças
mas não é nada trivial aumentar a largura dessas vias com desapropriação. Ou
seja, talvez pela mais larga experiência no setor público, jogou água no chopp
do Ciro ao dizer que não é tão fácil assim... De todo modo, conversei em off
com o Ciro depois da palestra e aprofundei essa questão. O cara me pareceu meio
doidão mesmo; parece que, por ele, sairia hoje mesmo tocando o pau com BRT
nessas avenidas, seja com túneis, elevados ou mesmo desapropriação. No fundo
até achei bom. Ele, como responsável pela SPTrans, tem que querer isso mesmo.
Se for doideira (financeira ou politicamente), alguém (da Secretaria de
Finanças, por exemplo) que freie o projeto.
Outro ponto que achei relevante nessa mesa foi o trabalho
acadêmico do outro comentarista, aluno do Insper, no qual chega à conclusão de
que, uma vez tendo ido para o transporte individual (carro próprio) haverá
pouca migração de retorno ao transporte público. Ou seja, ele acha que o BRT
pode ser útil ao dar mais conforto e agilidade pra quem JÁ usa o transporte
público, mas que não deve conseguir convencer usuários de veículos próprios a começarem a usar o novo modal. Tenho minhas dúvidas; menos pela questão financeira e mais
pela questão de perda de tempo mesmo.
Todos concordaram que deve haver desincentivo à utilização
de veículos próprios, seja pela redução de vias de fato (para dar mais espaço a
ônibus; Portella citou o plano de metas de Paris de reduzir 30km de vias por
ano), seja pela introdução do pedágio urbano. Engraçado(/Triste) ver pessoas
próximas a prefeitos e governadores acharem que o pedágio urbano será benéfico,
mas não conseguirem convencer os respectivos chefes executivos (sempre com o
contrargumento de custo político).
Por fim – e do ponto de vista prático, o mais importante pra
mim ;) – a questão do estacionamento finalmente entrou na pauta. A necessidade legal de
construção de um número mínimo de vagas associadas aos prédios, a
quase gratuidade do estacionamento em vias públicas e, principalmente, a “restrição
a estacionamentos” foram citados. Conceitualmente, eu concordo com quase tudo
(mesmo com essa questão de “restringir”, que, em tese, seria ruim pro meu
negócio), mas tudo depende da forma como é feito. Ciro Biderman é enfático na
questão da restrição via “taxação”. Fui questioná-lo por que desse modo e não,
simplesmente, reduzindo a oferta (diminuindo a quantidade de vagas). E ele não fez
cerimônia: “Melhor o dinheiro vir para o governo do que virar lucro das
operadoras”. Hehe. A conversa não foi muito mais longe...
Se, por um lado, fiquei satisfeito ao perceber que tem gente
no governo municipal que pensa parecido com o que eu penso (do ponto de vista prático), por outro, desanimei ao relembrar que um detalhe ideológico pode fazer bastante
diferença.
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