sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Falácia Utópica

Trechos escolhidos do capítulo 'Falácia Utópica' em 'As vantagens do pessimismo' de Roger Scruton.
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Não estamos a lidar meramente com erros localizados de raciocínio, mas sim com um molde mental, e um molde mental que de algum modo misterioso é indiferente à verdade. (...)
A mente utópica é uma mente moldada por uma moral particular e uma necessidade metafísica que leva à aceitação de absurdos não a despeito da sua absurdidade mas por causa dela.

Esta 'imunidade à refutação' é o que quero dizer com falácia da utopia, e vale a pena explorá-la como um dos curiosos caminhos secundários do otimismo, que aponta o caminho para uma profunda explicação da razão pela qual, no espírito humano, o irracional é tão interminavelmente renovável.

A falácia da melhor das hipóteses aparece quando a esperança prevalece sobre a razão, na presença de uma escolha importante. Não é utópica em si mesma. (...) 
Em todas as suas versões, porém, a utopia é concebida como uma unidade de ser, em que todos os conflitos não existem porque as condições que os criam já não estarão presentes.

Basta o mais ligeiro discurso crítico para reconhecer que o 'comunismo' de Marx incorpora uma contradição: é um estado em que todas as vantagens da ordem jurídica ainda estão presentes, ainda que não haja lei; em que todos os produtos da cooperação social ainda existem, ainda que ninguém desfrute dos direitos de propriedade que até aí forneceram o único motivo para os produzir.

A crítica mais importante a fazer a esse modo de pensar não é que é contraditório, embora o seja, mas que, ao prosseguir uma solução única e completa para o conflito humano, uma solução que elimine o problema para sempre, destrói as instituições que nos permitem resolver os nosso conflitos um por um. (...)
A solução para os conflitos humanos descobre-se caso a caso e incorpora-se depois em precedentes, costumes e leis.
A solução não existe enquanto plano, esquema ou utopia. É o resíduo de uma miríade de acordos e negociações, preservada no costume e na lei.
As soluções raramente são encaradas de antemão, mas acumulam-se gradualmente através do diálogo e da negociação. (...)
E é precisamente esse depósito, nos costumes e nas instituições, que o utópico se prepara para destruir.

A utopia é inteiramente construída pela negação [do mundo tal como é]. O ideal constrói-se para destruir o real. (...)
[Utopia] é o desejo de vingança contra a realidade.

É a característica mais notável dos Estados totalitários: a necessidade constante e implacável de uma classe de vítimas, a classe dos que se colocam no caminho da utopia e impedem sua aplicação. (...)
Será um grupo marcado pelo seu êxito anterior, cujos frutos lhe serão tirados e destruídos ou distribuídos entre os vencedores. (...)
'Você é judeu/burguês/cúlaque.' 'Bem, sim, confesso.' 'Então, qual é sua defesa?'.


Na utopia, nunca se sentirá a vontade no mundo que cria. (...) Suspeitará de que a refutação da utopia já está a ser descoberta.

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