terça-feira, 23 de setembro de 2014

Primum non nocere

Em um dos rascunhos públicos para seu último livro Antifragile, Nassim Taleb argumenta:

Há também o elemento do engano associado com o viés de intervenção, acelerado em uma sociedade de profissionalização. É muito mais fácil vender um "Olha o que eu fiz por/para você" do que um "Olha o que eu evitei por/para você".
Eu procurei na história por heróis que se tornaram heróis por aquilo que NÃO fizeram - é difícil de observar "não-ação"; não pude facilmente encontrar nem na minha memória nem nos livros. O médico que se abstenha de operar uma coluna (uma cirurgia muito delicada e gratificante), dando a chance de curar sozinha, não será recompensado ou julgado tão favoravelmente como o médico que faz a cirurgia que parece indispensável, trazendo [um falso] alívio para o paciente ao expô-lo a riscos e grandes recompensas financeiras para si mesmo. (...). O gerente corporativo que evitou uma perda não será facilmente recompensado. [tradução livre].
 A sabedoria milenar já avisa: Primum non nocere. First do no harm.

Eis, na verdade, um dos pilares da disposição conservadora: prefiro o mal que conheço ao mal que não conheço.

O fenômeno social que acontece em São Paulo, o haddadismo (só o Brasil mesmo pra ter imprensa governista e torcida organizada pra prefeito...) é a antítese disso. Nem os integrantes da TOFH (Torcida Organizada Fê Haddad, uma homenagem à zambininha) julgam como 'boas' as intervenções feitas em São Paulo. O único argumento é 'ainh... pelo menos ele fez alguma coisa...'.

Pois é. Sempre dá pra fazer alguma coisa. E piorar.


terça-feira, 9 de setembro de 2014

Amor e ódio

Numa dessas discussões filosóficas sobre o conflito de israelenses e palestinos, um grande amigo judeu vaticinou: "o conflito não acaba enquanto os palestinos não começarem a amar o próprio povo mais do que odiar o nosso". Achei interessante.
E sempre lembro disso quando analiso as atitudes demagógicas (e burras) de administrações petistas. E Haddad é o campeão: enquanto ele não 'amar o pobre mais do que odiar o rico', a cidade só vai piorar. (Aliás, como esquerdista gosta de criar versões de nós contra eles: ricos x pobres, mulheres x homens, negros x brancos, hetero x homo,...)
Prejudicar alguém não é sinônimo de ajudar um outro. É isso que dá pensar só em desigualdades ao invés de níveis absolutos...
As soluções dessa administração são completamente desbaratadas. Não devem ser tomadas por mais de uma pessoa, pois quando a primeira sugerisse, já levava um sopapo da segunda...

(ps: Quem está falando é um cara que usa bicicleta e ônibus, e não carro.)

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

As vitrinas mandam

Outro trecho espetacular de 'A Rebelião das Massas', de Ortega y Gasset.

DINÂMICA DO TEMPO

AS VITRINAS MANDAM

     Dizem que o dinheiro é o único poder que atua sobre a vida social. Se olhamos a realidade com uma ótica de retícula fina, a proposição é mais falsa que verídica. Mas tem também seus direitos a visão de retícula grossa, e então não há inconveniente em aceitar essa terrível sentença.

     Entretanto, teríamos de lhe tirar e lhe pôr alguns ingredientes para que a idéia fosse luminosa. Pois acontece que em muitas épocas históricas se falou o que agora se fala, e isto convida a suspeitar ou que nunca foi verdade ou que o tem sido em sentidos mui diversos. Porque é estranho que tempos sobremodo diferentes coincidam em ponto tão principal. Em geral, não se deve fazer muito caso do que as épocas passadas disseram de si mesmas, porque - é forçoso declará-lo - eram mui pouco inteligentes a respeito de si. Esta perspicácia sobre o próprio modo de ser, esta clarividência para o próprio destino é coisa relativamente nova na história.

     No século VII antes de Cristo corria já por todo o Oriente do Mediterrâneo o apotegma famoso: Chrémata, chrémata aner! "Seu dinheiro, seu dinheiro é o homem!" No tempo de César dizia-se o mesmo, no século XIV o põe em circulação nosso turbulento tonsurado de Hita, e no XVII, Gôngora faz disso letras. Que conseqüência tiramos desta monótona insistência? Que o dinheiro, desde que se inventou, é uma grande força social? Isso não era necessário sublinhar: seria uma calinada. Em todas estas lamentações insinua-se algo mais. Quem as usa expressa com elas, pelo menos, sua surpresa de que o dinheiro tenha mais força da que devia ter. E de onde nos vem essa convicção, segundo a qual o dinheiro devia ter menos influência da que efetivamente possui? Como não nos habituamos ao fato constante depois de tantos e tantos séculos, e que sempre nos colhe de surpresa?

     É, talvez, o único poder social que ao ser reconhecido nos repugna. A própria força bruta que habitualmente nos indigna acha em nós um eco último de simpatia e estima. Incita-nos a rechaçá-la criando uma força paralela, mas não nos inspira asco. Dir-se-ia que nos sublevam estes ou os outros efeitos da violência; porém ela mesma nos parece um sintoma de saúde, um magnífico atributo do ser vivente, e compreendemos que o grego a divinizasse em Hércules.

     Eu creio que esta surpresa, sempre renovada, ante o poder do dinheiro encerra uma porção de problemas curiosos ainda não aclarados. As épocas em que mais autenticamente e com mais dolentes gritos se lamentou esse poderio, são, entre si, muito diferentes. Entretanto, pode descobrir-se nelas uma nota comum: são sempre épocas de crise moral, tempos muito transitórios entre duas etapas. Os princípios sociais que regeram uma idade perderam seu vigor e ainda não amadureceram os que vão imperar na seguinte. Como? Será que o dinheiro não possui, a rigor, o poder que, deplorando-o, se lhe atribui e que seu influxo só é decisivo quando os demais poderes organizadores da sociedade se retiraram? Se assim fosse entenderíamos um pouco melhor essa estranha mescla de submissão e de asco que ante ele sente a humanidade, essa surpresa e essa insinuação perene de que o poder exercido não lhe corresponde. Pelo visto, não o deve ter porque não é seu, mas usurpado às outras forças ausentes.

     A questão é sobretudo complicada e não pode ser resolvida em dois tempos. Só como uma possibilidade de interpretação vai tudo isto que digo. O importante é evitar a concepção econômica da história, que alheia toda a graça do problema, fazendo da história inteira uma monótona conseqüência do dinheiro. Porque é demasiado evidente que em muitas épocas humanas o poder social do dinheiro foi muito reduzido e outras energias alheias ao econômico informaram a convivência humana. Se hoje os judeus possuem o dinheiro e são os donos do mundo, também o possuíam na Idade Média e eram o excremento da Europa. Não se diga que o dinheiro não era a forma principal da riqueza, da realidade econômica nos tempos feudais. Porque, ainda sendo isto verdade e calibrando na devida cifra o peso puramente econômico do dinheiro na dinâmica da economia medieval, não há correspondência entre a riqueza daqueles judeus e sua posição social. Os marxistas, para adubar as coisas segundo a pauta de sua tese, menosprezaram excessivamente a importância da moeda na etapa pré-capitalista da evolução econômica, e foi necessário depois refazer a história econômica daquela idade para mostrar a importância efetiva que nos Estados medievais tinha o dinheiro hebreu.

     Ninguém, nem o mais idealista, pode duvidar da importância que o dinheiro tem na história, mas talvez possa duvidar-se de que seja um poder primário e substantivo. Talvez o poder social não depende normalmente do dinheiro, mas, vice-versa, se reparte segundo se acha repartido o poder social, e vai para o guerreiro na sociedade belicosa, mas vai para o sacerdote na teocrática. O sintoma de um poder social autêntico é que cria jerarquias, que seja ele quem destaca o indivíduo no corpo público. Pois bem: no século XVI, por muito dinheiro que tivesse um judeu, continuava sendo um infra-homem, e no tempo de César os "cavaleiros", que eram os mais ricos como classe, não ascendiam ao cume da sociedade.

     Parece o mais verossímil que seja o dinheiro um fator social secundário, incapaz por si mesmo de inspirar a grande arquitetura da sociedade. É uma das forças principais que atuam no equilíbrio de todo ofício coletivo, mas não é a musa de seu estilo tectônico. Pelo contrário, se cedem os verdadeiros e normais poderes históricos - raça, religião, política, idéias -, toda a energia social vacante é absorvida  por ele. Diríamos, pois, que quando se volatilizam os demais prestígios resta sempre o dinheiro, que, por ser elemento material, não pode volatilizar-se. Ou, de outro modo: o dinheiro não manda mais senão quando não há outro princípio que mande. 

     Assim se explica essa nota comum a todas as épocas submetidas ao império crematístico que consiste em ser tempos de transição. Morta uma constituição política e moral, fica a sociedade sem motivo que jerarquize os homens. Ora bem: isto é impossível. Contra a ingenuidade igualitária é preciso fazer notar que a jerarquização é o impulso essencial da socialização. Onde há cinco homens em estado normal produz-se automaticamente uma estrutura jerarquizada. Qual seja o princípio desta é outra questão. Mas algum terá de existir sempre. Se os normais faltam, um pseudo princípio se encarrega de modelar a jerarquia e definir as classes. Durante um momento - o século XVII - na Holanda, o homem mais invejado era aquele que possuía certa tulipa rara. A fantasia humana, fustigada por esse instinto irreprimível de jerarquia, inventa sempre algum novo tema de desigualdade.

     Mas, ainda limitando de tal sorte a frase inicial que dá ocasião a esta nota, eu me pergunto se há alguma razão para afirmar que em nosso tempo goza o dinheiro de um poder social maior que em tempo algum do passado. Também esta curiosidade é exposta e difícil de satisfazer. Se nos envaidecemos, tudo que acontece em nossa hora parecer-nos-á único e excepcional na série dos tempos. Há, entretanto, a meu juízo, uma razão que dá probabilidade clara à suspeita de ser nosso tempo o mais crematístico de quantos foram. É também idade de crise: os prestígios há anos ainda vigentes perderam sua eficiência. Nem a religião nem a moral dominam a vida social nem o coração da multidão. A cultura intelectual e artística é avaliada menos que há vinte anos. Resta só o dinheiro. Mas, como indiquei, isto aconteceu várias vezes na história. O novo, o exclusivo do presente é esta outra conjuntura. O dinheiro teve, para seu poder, um limite automático em sua própria essência. O dinheiro é apenas um meio para comprar coisas. Se há poucas coisas para comprar, por muito dinheiro que haja e por muito livre que se encontre sua ação de conflitos com outras potências, seu influxo será escasso. Isto nos permite formar uma escala com as épocas de crematismo e dizer: o poder social do dinheiro - ceteris paribus - será tanto maior quantas mais coisas haja para comprar, não quanto maior seja a quantidade do dinheiro mesmo. Ora bem: não há dúvida que o industrialismo moderno, em sua combinação com os fabulosos progressos da técnica, produziu nestes anos um cúmulo tal de objetos mercáveis, de tantas classes e qualidades, que o dinheiro pode desenvolver fantasticamente sua essência: o comprar.

     No século XVIII existiam também grandes fortunas, mas havia pouco para comprar. O rico, se queria algo mais que o breve repertório de mercadorias existente, tinha de inventar um apetite e o objeto que o satisfaria, tinha de buscar o artífice que o realizasse e dar tempo a sua fabricação. Em todo este intrincamento intercalado entre o dinheiro e objeto complicava-se aquele com outras forças espirituais - fantasia criadora de desejos no rico, seleção do artífice, trabalho técnico deste, etc. - de que se fazia, sem querer, dependente.

     Agora um homem chega a uma cidade e aos quatro dias pode ser o mais famoso e invejado habitante dela sem mais trabalho que passear ante as vitrinas, escolher os objetos melhores - o melhor automóvel, o melhor chapéu, o melhor isqueiro, etc. - e comprá-los. Caberia imaginar um autômato provido de um bolso em que metesse mecanicamente a mão e chegasse a ser o personagem mais ilustre da urbe.

     El Sol, 15 de maio de 1927.

sábado, 16 de agosto de 2014

Distinção e Hierarquia

Trechos destacados do capítulo de 'Ideias tem consequências' de Richard Weaver.

Aqueles que procuram fazer as coisas em nome da massa são os agentes da destruição no meio de nós. Se a sociedade é algo que possa ser compreendido, ela deve ter uma estrutura; se ela tem uma estrutura, ela deve ter uma hierarquia. O discurso jacobino se desfaz diante dessa verdade metafísica.

Deturpação: a inexistência de distinções em uma sociedade justa.

Chegamos a um ponto em que a seguinte pergunta deve ser feita com toda seriedade: será que o homem deseja viver em uma sociedade ou em uma espécie de comunidade animal? Pois, se o banimento de todo tipo de distinção continuar, não haverá esperança de integração se não no nível do instinto.

Visto que tanto o conhecimento como a virtude requerem o conceito de transcendência, eles se tornam realmente detestáveis para aqueles que estão comprometidos com padrões materiais.

As distinções vocacionais desaparecem, e o novo modo de organização, se assim podemos chamá-lo, gira em torno da capacidade de consumo [‘classe média’, ‘classe C’ ao invés de ‘artesãos’, ‘fazendeiros’...].

Se dermos mais importância ao sentimento do que ao pensamento, em breve daremos mais importância – por mera extensão – ao desejo do que ao merecimento.

Ordens e graus não entram em conflito com a liberdade, mas se harmonizam com ela.

O conforto se torna um fim quando as distinções de posição são abolidas e os privilégios, destruídos.

A história nos mostra exaustivamente que, quando os reformadores chegam ao poder, eles simplesmente colocam uma hierarquia burocrática no lugar da outra.

Diante da afirmação de que todos os homens são criados livres e iguais, pergunta-se se não seria mais correto dizer que nenhum homem jamais foi criado livre e que nunca dois homens sequer foram criados iguais.

Esse igualitarismo é nocivo porque ele sempre se apresenta como um reparador da injustiça, quando na verdade se trata justamente do contrário. (...) A “igualdade” frequentemente é encontrada na boca daqueles que estão comprometidos com uma engenhosa autopromoção.

A harmonia não depende da quimérica ideia de igualdade, mas de fraternidade. (...) Ela coloca as pessoas em uma rede de sentimentos, e não de direitos.

Quanto da frustração do mundo moderno não procede do dar por pressuposta igualdade entre todos, da subsequente percepção de que isso não é possível e, então, do reconhecimento de que já não podemos recorrer ao elo da fraternidade?!

Onde o homem percebe que a sociedade pressupõe posições hierárquicas, os que estão nos postos mais altos e mais baixos veem que seus esforços contribuem para um fim comum, e eles estão antes em harmonia uns com os outros, e não em concorrência. É uma regra geral que as partes do mundo que menos falaram sobre igualdade tenham apresentado, na realidade tangível da vida social, o maior grau de fraternidade.

[Esquerdista] furioso por ter descoberto que servos e outros de posição inferior não se ofendiam com a sua condição.

Os humanitaristas descobriram que a igualdade perante a lei não tem efeito sobre as diferenças de habilidade e realização. (...) Somente o despotismo podia impor algo tão irrealista.

Se a democracia significa oportunidade de progresso, então ela pressupõe a chance de alguém se sobressair em relação aos menos favorecidos e assim ocupar uma posição definida com referência a graus superiores e inferiores.

O próprio termo ‘eleição’ quer dizer discriminação. (Como é possível escolher o melhor homem quando, por definição [para esquerdistas], não há o melhor?)

Em um período de crise [guerra, por exemplo], (...) submete-se a um grupo de ‘elite’ que sabe o que deve ser feito. (...) Quando um fim mais elevado se torna imperativo, ele delega a autoridade a ponto de colocá-la além do seu próprio controle.

Construíram faculdades na mesma escala, mas tiveram de conformar-se com vê-las transformadas em parques de diversão para adultos imaturos. (...) A fórmula da educação popular enfraqueceu a democracia porque se revoltou contra a ideia de sacrifício, o sacrifício do tempo e dos bens materiais, sem o qual não pode haver educação da disciplina intelectual.

Geração do homem econômico, cujo destino é a mera atividade.


O direito à continuidade

(...) o direito fundamental do homem, tão fundamental que é a definição mesma de sua substância: o direito à continuidade. A única diferença radical entre a história humana e a “história natural” é que aquela não pode nunca começar de novo. Köhler e outros mostraram como o chimpanzé e o orangotango não se diferenciam do homem pelo que, falando rigorosamente, chamamos Inteligência, mas porque tem muito menos memória que nós. Os pobres animais cada manhã esquecem quase tudo que viveram no dia anterior, e seu intelecto tem de trabalhar sobre um mínimo material de experiências. Semelhantemente, o tigre de hoje é idêntico ao de seis mil anos, porque cada tigre tem de começar de novo a ser tigre, como se não houvesse outro antes. O homem, pelo contrário, mercê de seu poder de recordar, acumula seu próprio passado, possui-o e o aproveita. O homem não é nunca um primeiro homem: começa desde logo a existir sobre certa altitude de pretérito amontoado. Este é o tesouro único do homem, seu privilégio e sua marca. E a riqueza menor deste tesouro consiste no que dele pareça acertado e digno de conservar-se: o importante é a memória dos erros, que nos permite não cometer os mesmos sempre. O verdadeiro tesouro do homem é o tesouro de seus erros, a extensa experiência vital decantada gota a gota por milênios...

Trecho de 'A rebelião das massas', de José Ortega y Gasset

domingo, 3 de agosto de 2014

Cartas a meu filho

III

Pedro, você nasceu.

Todo mundo fala que o amor nesse momento é inexplicável. Pra mim, o amor bateu forte mesmo lá no primeiro ultrassom. Agora, o que sinto é medo. Muito medo. Esse mundo é cão, filho.

Nunca tive medo de morrer. Agora tenho medo de morrer.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Redes sociais e relacionamentos

Nos nossos relacionamentos (reais) do dia-a-dia, interpretamos personagens.
Existe uma linha acima da qual queremos nos mostrar; abaixo dela, queremos manter privacidade. Para o nosso bem e para o bem do outro. Gostaríamos de e seríamos queridos por menos gente se todos soubessem o que está ali "escondido".
O problema das redes sociais é justamente abaixar essa linha. Mostramos mais do que o saudável (e - percebam - nem estou entrando na questão de privacidade de fotos, viagens, restaurantes...).
Gostaria (mais) de algumas pessoas se eu NÃO soubesse que "curtem" sakamotos, duviviviers, cartas-abertas-a-haddad e #freepalestinas.
Saudade dos 'bom diiiia!', 'tá chovendo!!', 'trânsito infernal!'...
Nós não fingíamos (tanto) ser mais inteligentes do que realmente somos.

domingo, 20 de julho de 2014

Cartas a meu filho

II

Pedro, você está pra chegar a qualquer momento.

Prefiro que você tenha saúde, seja católico, sãopaulino, inteligente, bonito, esportista, goste de música,...  Mas nada disso é necessário.

Peço MESMO apenas 3 coisas a Deus: que você tenha sorte, que faça boas escolhas na vida e que seja um cara de família. O resto de bom vem por consequência... 

quarta-feira, 16 de julho de 2014

"Homens imoderados nunca podem ser livres. As paixões lhes forjam os grilhões".
A Política da Prudência
Russel Kirk

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Cartas a meu filho

I

Oi, Felipe, sou seu pai. Felipe? Pedro, talvez. Depois a gente vê.

O morfológico foi legal, mas aquela meia dúzia de células batendo como coração lá no início foi a sensação mais espetacular da vida. Na verdade, todo ultrassom é meio tenso por conta daquele nosso incidente, mas rezo um Creio e vamos firme. Está dando tudo certo.

Ser pai me fez repensar que filho fui e sou. Passa todo um filme na cabeça. Coisas que nunca tinha lembrado. Não gostei muito do filme, não... Não fui um bom filho.

Que você seja melhor do que eu fui, Pedro. Não é uma tarefa difícil...

(Sua mãe acabou de decidir que é Pedro mesmo. Gostei!)

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O que li em 2013

A Revolta de Atlas 1 ✰✰✰
O 2º livro mais influente nos EUA (só atrás da Bíblia) é muito bom. É uma homenagem ao self-made man. Ayn Rand conta a história de um pequeno grupo de empresários que quer ganhar dinheiro 'fazendo as coisas acontecerem' nos EUA. O pano de fundo é o libertarianismo (deixa rolar!) versus o keynesianismo (mão pesada do governo controlando a economia). Mas dá pra encarar como algo mais simplista: os que querem desatar os nós versus os que querem apertar os nós ainda mais. 
(Não estou reduzindo as citadas escolas econômicas a esses 2 pontos; até porque a visão de Rand é bem parcial e extremamente caricatural). Gostei da primeira parte da trilogia.

O que o dinheiro não compra ✰✰
Gosto muito do autor, Michel Sandel, pelo famoso curso 'Justice - the right thing to do' (disponível online) e respectivo livro sobre o assunto. Mas acho que ele erra a mão um pouco nesse 2º livro. A ideia de reforçar a importância das questões morais no campo político é importantíssima, mas ele exagera.



Quando a maioria pensa da mesma maneira, muito provavelmente estará errada. O livro conta histórias de efeito manada (pro lado errado, claro) e lista uma espécie de 'técnicas' para conseguir se blindar. Opinião pública não é sinônimo de verdade (muito pelo contrário). Foi escrito em 1953. Bem bom!



O Príncipe ✰✰✰
'Os fins justificam os meios' não está escrito ipsis litteris na obra de Maquiavel mas claro que, ao descrever - baseado em sua larga experiência - os modos como os governos (principados) são conquistados e mantidos, ele deixa explícita essa lógica. Mas menos como um conselho ou um pensamento próprio, e mais pela observância de como as coisas são de fato. Também gostei. Completou 500 anos em 2013, como destacou João Pereira Coutinho nessa coluna

A mais pura verdade sobre a desonestidade ✰✰✰✰
Sou um fã de Dan Ariely. O 3º livro do economista comportamental de Duke também é muito bom. Com uma série de testes controlados, ele desmonta a tese do 'crime racional' (pela qual, trapacearíamos apenas por um cálculo entre o benefício da trapaça e o custo de ser pego). Ele testa influências mais 'irracionais' - como simples evocação à moralidade, parceria, esgotamento, criatividade, etc. - no efeito (e no montante) da trapaça. Livro muito bom.

Crime e Castigo ✰✰✰✰
Outra obra prima de Dostoievski, com reflexões sobre o acaso, os impulsos, a (auto)mentira, a bagunça entre o 'bem' e o 'mal', o 'certo' e o 'errado' e, principalmente, a angústia (pra se tolerar?) em que vive o protagonista (e, claro, todos nós).




Ser conservador ✰✰✰✰
Um pequeno manifesto do clássico pensador conservador Michael Oakeshott. Excelente.








Status Anxiety ✰✰✰✰✰
Meu primeiro contato com Alain de Botton foi assistindo a essa ótima palestra TED sobre noção de sucesso e meritocracia. Estive presente quando se apresentou em São Paulo, pelo Fronteiras do Pensamento, falando sobre as virtudes da religião, mesmo para ateus (como ele). Depois, a seqüência do The School of Life me pareceu meio embromation. Nesse livro, acho que ele acerta em cheio falando sobre o maior drama da atualidade: a angústia. Discorre sobre 5 causas (falta de amor, expectativas, meritocracia, esnobismo e dependência) e 5 possíveis escapatórias/proteções (filosofia, arte, política, religião e boemia). Fiz uma resenha aqui. 

Human Transit ✰✰✰✰✰
Jarret Walker sintetiza as principais ideias sobre as quais já escreve em humantransit.org. No livro, fala sobre as 7 demandas de um bom transporte público, sobre linhas e loops, paradas e estações, obstáculos e atrasos, tarifas, os trade-offs entre cobertura versus quantidade de passageiros, entre conexões versus complexidade e, principalmente, sobre sua bandeira principal: a necessidade de maior freqüência entre os ônibus/trens. Considero um livro simplesmente necessário para quem quiser discutir (e gerir) transporte público, mobilidade e urbanização.

Foi um imenso prazer conhecer Roger Scruton. O filósofo conservador apresenta 7 falácias utilizadas pelos 'otimistas inescrupulosos' (o eufemismo que ele utiliza para esquerdistas) e algumas conseqüências a partir delas. Resenhei aqui. 'Meu' melhor livro do ano.




Como viver ✰✰✰
Sarah Bakewell faz uma biografia de Montaigne, apresentando as principais ideias do filósofo, com estrutura semelhante à sua principal obra ('Ensaios'), ou seja, pensamentos livres, sem uma organização clara ou pré-definida. Interessante.
(Exatamente hoje, saiu uma resenha no BrainPickings)


Capitalismo de laços ✰✰✰✰
O doutorado do professor Sergio Lazzarini virou um livro no qual ele disseca a estrutura de poder no Brasil, passando pela abertura econômica do Collor, as privatizações de FHC e as aberturas de capital no período Lula. Muda-se tudo para não se mudar nada: o Estado continua sendo o principal player econômico, cercado de 'amigos' cada vez mais próximos. Também considero uma leitura fundamental para discussão econômica aqui no Brasil.

Com uma escrita irreverente (até demais), meio no estilo 'Guia dos Curiosos', o que mais me chamou a atenção no livro (e - confesso - me deixou um tanto desanimado) foi confirmar que a história é contada pelos vencedores ou, pior, que pode ser mudada ao longo do tempo, pela repetição sistemática de algumas mentiras.


O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota ✰✰✰✰
Gostei MUITO dessa seleção de artigos de Olavo de Carvalho, o principal filósofo brasileiro conservador vivo. A esquerda e grande parte dos 'cults' das redes sociais amam odiar Olavo. Mas é inegável seu talento na escrita e argumentação (embora, claro, eu não concorde sempre) e sua capacidade de estimular o conhecimento.


A Rebelião das Massas ✰✰✰✰✰
Ortega y Gasset concluiu o livro em 1930, mas serviria perfeitamente pra analisar as manifestações do ano passado. O conceito de que mais gostei foi sobre o equilíbrio (instável) da nossa sociedade: forças que se acumularam ao longo do tempo e hoje parecem imperceptíveis para uma geração de 'señoritos satisfechos' que acham que o estágio atual de civilização é dado pela natureza e que não exige cuidados constantes. Uma massa mimada que usufrui dos benefícios do mundo atual sem ter que enfrentar sacrifícios para sua conquista. (Aliás, Olavo de Carvalho também fala disso em um texto. Selecionei alguns trechos aqui)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

As vantagens do pessimismo

Faço uma resenha do livro As Vantagens do Pessimismo.
Foi minha estreia na obra do filósofo conservador Roger Scruton. E gostei muito.

O livro é, em linhas gerais, uma defesa do princípio da prudência e, assim, um alerta aos perigos da 'falsa esperança', uma crítica aos 'otimistas inescrupulosos' (o eufemismo que ele usa para os esquerdistas).

"Os otimistas inescrupulosos acreditam que as dificuldades e as desordens da espécie humana podem ser vencidas por um ajustamento em grande escala: basta inventar um novo arranjo, um novo sistema, e as pessoas serão libertadas da sua prisão temporária para um reino de sucesso."

"O único melhoramento que está sob nosso controle é o melhoramento de nós próprios."

Ele explica 7 falácias utilizadas por esses 'otimistas' e, em seguida, apresenta algumas 'defesas pela verdade'.

A primeira falácia é a da Melhor das Hipóteses. O esquerdista mira o ideal e não se preocupa com um 'plano de contingência' caso a 'ideia' não dê certo, ou seja, não avalia todos os riscos para saber se consegue bancar a pior das hipóteses (como um conservador o faz).

A falácia seguinte é a do Nascido Livre. O autor explora o conceito de liberdade, associando-o aos conceitos de responsabilidade e reciprocidade e diferenciando-o da simples 'ausência de restrições'. Liberdade inclui respeitar o próximo e depende dos contextos culturais. Um exemplo significativo que ele utiliza é o desastre da educação a partir da falta de disciplina do 'desconstrucionismo', que usa justamente o conceito distorcido de liberdade.

Em seguida, no capítulo sobre a Falácia Utópica, ele evidencia os riscos de colocar as fichas numa utopia e como, paradoxalmente, as utopias se fortalecem pela sua inexeqüibilidade.

"A mente utópica é uma mente moldada por uma moral particular e uma necessidade metafísica que leva à aceitação de absurdos não a despeito da sua absurdidade mas por causa dela."

Na Falácia da Soma Zero há o pano de fundo para o eterno confronto criado pelos esquerdistas entre opressores vs oprimidos (com os atores se modificando; a versão atual é pobre x rico). Não aceitam a situação indesejada como um 'fato da realidade'; sempre acham que foi causado por outrem.

A Falácia do Planejamento é o arcabouço teórico para coletivismos e Estados grandes. Os otimistas inescrupulosos acreditam que uma meia-dúzia de Iluminados terão as soluções para os problemas do mundo e, assim, desprezam a sabedoria cotidiana das micro-relações criadas ao longo da história. Não percebem que as soluções não são impostas, mas descobertas ao longo do tempo.

A penúltima, a Falácia do Espírito em Movimento, tenta nos convencer que o Zeitgeist, o espírito do tempo, praticamente 'nos obriga' a aceitarmos as mudanças, quase que abrindo mão de nossas liberdades e individualidades. Os otimistas inescrupulosos se enganam (e tentam nos enganar) ao associar o progresso científico a um eventual 'progresso moral ou de costumes'. Scruton pontua que nada garante que uma geração será melhor que a anterior do ponto de vista moral ou de costumes ou de cultura... (ao contrário da ciência).

"A falácia de ter uma visão retrospectiva de uma coisa que ainda não aconteceu tornou-se parte integrante do pensamento progressista."

Por fim, com a Falácia da Agregação, os esquerdistas tentam 'somar' conceitos que costumam ser concorrentes, como no exemplo clássico de liberdade x igualdade.

Em seguida, Roger Scruton expõe algumas estratégias através das quais os esquerdistas utilizam as falácias apresentadas.

Diante do fracasso das soluções propostas pelos esquerdistas, a desculpa é sempre que não foram 'longe o suficiente'. Invertem o ônus da prova: dizem que os conservadores teriam que provar por que a dinâmica atual ('status quo'?) é melhor que o 'melhoramento' proposto por eles, como se a simples sobrevivência à prova do tempo já não fosse prova suficiente da funcionalidade (vis a vis a 'boa intenção' da ideia deles).

"O senso comum também diz que um costume que sobreviveu à prova do tempo tem pelo menos isso para dizer a seu favor: que não é disfuncional."

Outra estratégia é a criação de falsos peritos (em assuntos em que simplesmente não há peritos). Uma retórica embutida de sociologia amadora e dá-se crédito a qualquer um.

Também costumam transferir a culpa, sugerindo que o simples êxito já seja prova suficiente para condenação. Um exemplo é rotular de odioso quem sofre o ódio. Nesse contexto, costuma-se criar bodes expiatórios.

Tentam ser herméticos, com discursos confusos, acusando ignorância de quem não concorda. (cita trechos de Marx e Althusser como exemplo)

O autor, então, imagina um mundo do jeito que os esquerdistas querem: com ausência de restrições, todos iguais, sem instituições, com soma zero (vive-se ou morre-se)... e chega ao nosso passado tribal! Supõe, então, que esses impulsos esquerdistas talvez sejam resquícios dos nossos antepassados.

"Leva a uma conclusão algo deprimente, que é a de que as falácias que identifiquei nesse livro como subjacentes às tolices do nosso tempo não são novos acrescentos ao repertório da loucura humana mas os resíduos das tentativas honestas dos nossos antepassados de endireitar as coisas."

Conclui dizendo que a vida civilizada não deve nos dizer o que fazer, mas o que NÃO fazer uns aos outros. Lembra que destruir é muito mais fácil do que criar.

"Devemos reconhecer que o confronto em que estamos envolvidos não é político; (...) é um confronto existencial."

"A melhor comunidade a que os seres humanos podem aspirar: uma sociedade sem convicção, na qual ninguém acredita ter o direito divino ou o dever histórico de fazer guerra contra aqueles que discordarem de si."

O livro é muito bom!