quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

As vantagens do pessimismo

Faço uma resenha do livro As Vantagens do Pessimismo.
Foi minha estreia na obra do filósofo conservador Roger Scruton. E gostei muito.

O livro é, em linhas gerais, uma defesa do princípio da prudência e, assim, um alerta aos perigos da 'falsa esperança', uma crítica aos 'otimistas inescrupulosos' (o eufemismo que ele usa para os esquerdistas).

"Os otimistas inescrupulosos acreditam que as dificuldades e as desordens da espécie humana podem ser vencidas por um ajustamento em grande escala: basta inventar um novo arranjo, um novo sistema, e as pessoas serão libertadas da sua prisão temporária para um reino de sucesso."

"O único melhoramento que está sob nosso controle é o melhoramento de nós próprios."

Ele explica 7 falácias utilizadas por esses 'otimistas' e, em seguida, apresenta algumas 'defesas pela verdade'.

A primeira falácia é a da Melhor das Hipóteses. O esquerdista mira o ideal e não se preocupa com um 'plano de contingência' caso a 'ideia' não dê certo, ou seja, não avalia todos os riscos para saber se consegue bancar a pior das hipóteses (como um conservador o faz).

A falácia seguinte é a do Nascido Livre. O autor explora o conceito de liberdade, associando-o aos conceitos de responsabilidade e reciprocidade e diferenciando-o da simples 'ausência de restrições'. Liberdade inclui respeitar o próximo e depende dos contextos culturais. Um exemplo significativo que ele utiliza é o desastre da educação a partir da falta de disciplina do 'desconstrucionismo', que usa justamente o conceito distorcido de liberdade.

Em seguida, no capítulo sobre a Falácia Utópica, ele evidencia os riscos de colocar as fichas numa utopia e como, paradoxalmente, as utopias se fortalecem pela sua inexeqüibilidade.

"A mente utópica é uma mente moldada por uma moral particular e uma necessidade metafísica que leva à aceitação de absurdos não a despeito da sua absurdidade mas por causa dela."

Na Falácia da Soma Zero há o pano de fundo para o eterno confronto criado pelos esquerdistas entre opressores vs oprimidos (com os atores se modificando; a versão atual é pobre x rico). Não aceitam a situação indesejada como um 'fato da realidade'; sempre acham que foi causado por outrem.

A Falácia do Planejamento é o arcabouço teórico para coletivismos e Estados grandes. Os otimistas inescrupulosos acreditam que uma meia-dúzia de Iluminados terão as soluções para os problemas do mundo e, assim, desprezam a sabedoria cotidiana das micro-relações criadas ao longo da história. Não percebem que as soluções não são impostas, mas descobertas ao longo do tempo.

A penúltima, a Falácia do Espírito em Movimento, tenta nos convencer que o Zeitgeist, o espírito do tempo, praticamente 'nos obriga' a aceitarmos as mudanças, quase que abrindo mão de nossas liberdades e individualidades. Os otimistas inescrupulosos se enganam (e tentam nos enganar) ao associar o progresso científico a um eventual 'progresso moral ou de costumes'. Scruton pontua que nada garante que uma geração será melhor que a anterior do ponto de vista moral ou de costumes ou de cultura... (ao contrário da ciência).

"A falácia de ter uma visão retrospectiva de uma coisa que ainda não aconteceu tornou-se parte integrante do pensamento progressista."

Por fim, com a Falácia da Agregação, os esquerdistas tentam 'somar' conceitos que costumam ser concorrentes, como no exemplo clássico de liberdade x igualdade.

Em seguida, Roger Scruton expõe algumas estratégias através das quais os esquerdistas utilizam as falácias apresentadas.

Diante do fracasso das soluções propostas pelos esquerdistas, a desculpa é sempre que não foram 'longe o suficiente'. Invertem o ônus da prova: dizem que os conservadores teriam que provar por que a dinâmica atual ('status quo'?) é melhor que o 'melhoramento' proposto por eles, como se a simples sobrevivência à prova do tempo já não fosse prova suficiente da funcionalidade (vis a vis a 'boa intenção' da ideia deles).

"O senso comum também diz que um costume que sobreviveu à prova do tempo tem pelo menos isso para dizer a seu favor: que não é disfuncional."

Outra estratégia é a criação de falsos peritos (em assuntos em que simplesmente não há peritos). Uma retórica embutida de sociologia amadora e dá-se crédito a qualquer um.

Também costumam transferir a culpa, sugerindo que o simples êxito já seja prova suficiente para condenação. Um exemplo é rotular de odioso quem sofre o ódio. Nesse contexto, costuma-se criar bodes expiatórios.

Tentam ser herméticos, com discursos confusos, acusando ignorância de quem não concorda. (cita trechos de Marx e Althusser como exemplo)

O autor, então, imagina um mundo do jeito que os esquerdistas querem: com ausência de restrições, todos iguais, sem instituições, com soma zero (vive-se ou morre-se)... e chega ao nosso passado tribal! Supõe, então, que esses impulsos esquerdistas talvez sejam resquícios dos nossos antepassados.

"Leva a uma conclusão algo deprimente, que é a de que as falácias que identifiquei nesse livro como subjacentes às tolices do nosso tempo não são novos acrescentos ao repertório da loucura humana mas os resíduos das tentativas honestas dos nossos antepassados de endireitar as coisas."

Conclui dizendo que a vida civilizada não deve nos dizer o que fazer, mas o que NÃO fazer uns aos outros. Lembra que destruir é muito mais fácil do que criar.

"Devemos reconhecer que o confronto em que estamos envolvidos não é político; (...) é um confronto existencial."

"A melhor comunidade a que os seres humanos podem aspirar: uma sociedade sem convicção, na qual ninguém acredita ter o direito divino ou o dever histórico de fazer guerra contra aqueles que discordarem de si."

O livro é muito bom!


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