quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Encarceramento no Brasil: comparações internacionais

Outra tecla que o esquerdismo brasileiro anda batendo é a alta quantidade de presos no Brasil.

Até o Livres, movimento libertário de PhDs, caiu na ladainha do Brasil ser o “terceiro país do mundo que mais encarcera pessoas”, ignorando que o Brasil é o 5º ou 6º país mais populoso do mundo e, óbvio, o número absoluto não significa nada.

A comparação mais imediata seria a “taxa de encarceramento por 100.000 habitantes”, como é exposta a maioria dos índices sobre criminalidade. Por essa métrica, segundo o prisonstudies.org, o Brasil está em 26º lugar, o que não impede, claro, de a intelectualidade brasileira continuar tentando sua marretada tradicional, selecionando países para apresentação.

Ainda assim, não considero que essa seja a melhor métrica. A taxa por 100.000 habitantes pressupõe que todos os países possuem a mesma ‘tendência ao crime’, o que obviamente não é verdade (sem querer entrar no mérito sobre o que levaria a essa diferenciação: cultura, genética, religião, raça,...). Um exemplo: considere 2 países de 100 habitantes; no país A, cometem-se 20 crimes e no país B, 10 crimes; o país A tem 12 presos e o B tem 9 presos; por 100.000 habitantes, o país A tem uma taxa de encarceramento maior, mas na realidade, a política prisional do país B é muito mais severa: 90% dos crimes levaram a uma prisão, enquanto no país A, apenas 60%.

Fui atrás, então, DAS TAXAS DE ENCARCERAMENTO vs TAXA DE HOMICÍDIOS (como proxy de crimes), ambos por 100.000 habitantes, de todos os países do mundo. O Wikipedia me bastou.
Mapeei 215 países. Pensei ser ok desprezar países muito pequenos, mais suscetíveis a outliers. Mas também não queria diminuir demais a base comparativa. Usando o corte de população acima de 2 milhões de pessoas, chegamos mais ou menos na metade: 114 países. Apresento-os abaixo:



O Brasil é o pontinho amarelo. Acima, é verdade, da linha de tendência mundial, mas nada absurdo. Vale lembrar que, por essa métrica, o Brasil tem quase 18% dos assassinatos do mundo.

Se assumirmos que a linha do gráfico é a política ‘ideal’ do mundo, o Brasil deveria estar com 232 presos por 100 mil habitantes ao invés dos atuais 324 por 100 mil, ou seja, 29% acima, o que o deixaria em 24º lugar no ranking mundial dessa métrica de desvio do ‘ideal’. Os EUA, 1º lugar nessa métrica, ‘deveria ter’ 154 ao invés de 655 por 100 mil habitantes, um ‘delta’ de 77%.
Tabela com os 15 países mais populosos:



Um outro modo de analisar e o que considero o melhor deles (pelo menos, o mais próximo daquele exemplo intuitivo dos países A e B) é a relação de presos por assassinatos/ano. Por essa métrica, o Brasil tem 10,97 presos por assassinatos/ano, o que o deixaria apenas na 93ª posição nesse ranking. Cingapura, 1º lugar nessa métrica, tem 628,13 presos por assassinatos/ano, muito mais rígido que o Brasil, portanto.

 

Um detalhe importante dessa última métrica é que os presos são ‘estoque’ e os homicídios são ‘fluxo’ (por ano). Ou seja, mais do que a simples entrada na prisão, a métrica acaba levando em conta também a permanência.

Ou seja, precisa forçar muito a barra pra dizer que a política de encarceramento no Brasil é rígida.

A crítica seguinte é a de que o Brasil prende mal. Esses ‘estudos’ me fizeram questionar uma das críticas que eu tinha às prisões no Brasil: a alta proporção de presos não julgados (35,4%). Só que esses números me mostraram que o Brasil é apenas o 46º nesse critério, ou seja, não parece ser tão absurdo como eu achava (e países como China e Cuba não apresentam esses dados). A média simples dos países que apresentam esse dado é de 34,6%; a média ponderada por presos é de 31,4%. Ou seja, nem mesmo no critério de presos não julgados, o Brasil pode ser considerado rígido. (e aqui não entro na questão humanitária e me mantenho apenas no aspecto meramente comparativo).



Pra finalizar, aceitei bovinamente os dados informados pelas autoridades brasileiras para montar essas comparações, mas esse promotor do RS questiona o fato do Brasil incluir não apenas os presos em regimes integralmente fechados, como os demais países o fazem. Isso faria a taxa de encarceramento do Brasil cair para 224 presos por 100 mil habitantes, ABAIXO do que seria a tal taxa ‘ideal’ segundo o primeiro gráfico.

Enfim: o Brasil não prende muito.
(E acho que isso não é bom, mas isso deixo pra outro post).

Um comentário:

  1. Seu texto apresenta dados que refutam o que você mesmo diz. Se a inclinação da reta de regressão entre encarceramento e homicídios é positiva, quer dizer que você supõe que homicídios provocam prisões diretamente, o que supõe que todos os presos são homicidas (ou, no mínimo, que haja uma correlação constante) e todos os homicídios tendem a ser punidos com a prisão. Despreza, portanto a existência de outros atos punidos com a prisão e a ineficiência investigativa e processual, para não dizer a seletividade de classe ou etnia. A relação de presos por assassinatos/ano só faz sentido se se limitar apenas a presos por homicídio, o que não é o caso, já que você pegou o total, sem recorte por crime, o que mede menos a "rigidez" do que a eficiência investigativa e/ou o tamanho das penas (endurecimento penal ou aumento do volume de presos por ano aumentam a população carcerária, independente de qual seja o crime punido, e o que é crime e qual é o tamanho da pena é definido pela lei, ou seja, pela política). De qualquer maneira, uma análise da composição criminal da população carcerária brasileira mostra que é possível um país ser rígido (no sentido de prender muito e impôr penas longas) E ineficiente, já que a maioria dos presos são usuários e microtraficantes de drogas pobres, seguidos de ladrões pobres.

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