quinta-feira, 22 de novembro de 2018

(Des)armamento

[Publicado em 15/04/2018; editado em 22/11/2018]

É uma marca da intelligentsia brasileira (provavelmente mundial – say Hi to Soros) o absoluto repúdio à contrariedade ao desarmamento. Ser desarmamentista virou uma virtude per se, ou mais ainda, uma importante SINALIZAÇÃO DE VIRTUDE.

Reparem como os desarmamentistas tratam os ‘armamentistas’ como bichos estranhos. “Onde vivem? Como se alimentam?”. “Queria tanto entendê-los...”.
Proponho-me aqui a colocar alguns argumentos ‘armamentistas’. Obviamente não sou um especialista no assunto e prometo vir aqui reeditar esse texto, diante de novos argumentos futuros.

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Iniciando de um ponto de partida empático, pressuponho que tanto armamentistas quanto desarmamentistas tenham um mesmo objetivo: reduzir a criminalidade e mortes. Sei que pode não ser o caso de todas as pessoas – say Hi to Soros – mas acho que é um bom ponto de partida.
(Parêntesis rápido: um jeito fácil e prático de decidir se é bom ou não ter armas nas mãos de ‘cidadãos do bem’ seria perguntar para os ‘cidadãos do mal’, isto é, o que os bandidos prefeririam; e aí, claro, fazer o contrário. Nós sabemos a resposta...)
(Outro parêntesis: sei que a expressão ‘cidadãos do bem’ pode gerar certos preconceitos; não acho relevante entrar nessa discussão; aqui, uso-a apenas como contraste a bandidos). Mas voltando...

O grande argumento desarmamentista é simples e robusto: (A1) a (in)eficiência na (auto)proteção com uma arma e o ciclo que isso alimenta (um ladrão rouba uma pessoa armada e leva mais uma arma).
A real eficiência ou a validade dessas políticas civis/sociais é de difícil mensuração por ser impossível fazer um experimento controlado, com grupo de controle, por exemplo. Comparações entre países podem ser proveitosas e devem ser feitas (com cuidado), mas as diferenças entre as nações serão sempre uma ‘saída honrosa’ pra não se aceitar um determinado resultado que se pretendia. No Brasil, no entanto, tivemos uma mudança brusca de política pública a partir de 2003, quando a posse das armas de fogo passou a ser muito mais restritiva (contrariada, depois, pelo Plebiscito do Desarmamento de 2005, no qual a grande maioria da população votou a favor do armamento civil e que foi solenemente ignorada pelo governo).
É PRECISO CUIDADO PARA NÃO INFERIR CAUSALIDADE ONDE TEMOS APENAS CORRELAÇÃO (ou pelo menos onde ainda não podemos provar tal causalidade), mas as eventuais tendências a partir dessa relevante mudança de política pública podem sugerir um ou outro caminho (ainda que, como falarei mais tarde, não necessariamente eficiência de política pública seja o único driver pra se decidir).
Enfim, aos dados.
(todos daqui: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/)

Os números oficias do Atlas da Violência do IPEA mostram a seguinte evolução da taxa de homicídios por armas de fogo no Brasil:


Gráf 1 - Taxa de Homicídios por Armas de Fogo – BR – arte IPEA

À primeira vista, o Desarmamento de 2003 parece, sim, ter reduzido a taxa de homicídios com armas de fogo no país. Ou melhor (para não inferir causalidade): parece haver correlação entre o desarmamento e a queda na taxa de homicídios. Ainda que se argumente que, apenas 9 anos depois (2012), a taxa já esteja maior que em 2003 (uma difícil realidade para os desarmamentistas enfrentarem...), é inegável a melhora na tendência.

Entrando mais nos detalhes dos gráficos, algumas observações são importantes.
Primeiro: o gráfico 1 mostra apenas os homicídios POR ARMA DE FOGO. Se pegarmos os homicídios SEM arma de fogo, perceberemos uma mudança na tendência de queda, sugerindo que se o sujeito quer matar, ele arranja um jeito:



Gráf 2 - Taxa de Homicídios SEM Armas de Fogo – BR – arte minha

Segundo: dinâmica semelhante acontece com suicídios. Embora a taxa de suicídios por armas de fogo tenha caído após 2003, a taxa total de suicídios subiu. Se o sujeito quer SE matar, ele arranja um jeito:

Gráf 3 - Taxa de Suicídios – BR – arte minha

Terceiro: a qualidade dos dados melhorou com o tempo. Reparem que a proporção de mortes com causa indeterminada (a infame piada de Trope de Elite sobre a morte na praia por afogamento com 2 perfurações) caiu bem com o tempo:


Gráf 4 – Proporção de Mortes Violentas por Causa Indeterminada ao Total de Homicídios – BR – arte IPEA

Um quarto detalhe é a escala dos gráficos. O modo como o IPEA apresenta seus gráficos sugere mudanças muito mais drásticas do que olhando a big picture. Eu também fiz isso nos gráficos 2 e 3, reforçando a tese sobre essa 'indução'. Colocando tudo até aqui com escala a partir do zero, as mudanças já não parecem tão grandes:


Gráf 5 – Colocando em escala – arte minha

Mas até agora, foram detalhes. A conclusão do gráfico 1 já não é tão robusta como à primeira vista, mas é forte: a taxa de homicídios por armas de fogo caiu após 2003!

Vamos agora debulhar esses dados, abrindo por alguns estados. Doravante, mesmo sabendo que existe a consequência indesejada na taxa de homicídios SEM armas de fogo e 1 morte é 1 morte, vou ‘conceder’ e usar apenas taxa de homicídios POR ARMAS DE FOGO e sempre com a mesma escala (que englobe o estado mais violento):


Gráf 6 - Taxa de Homicídios por Armas de Fogo – AL – arte minha


Gráf 7 - Taxa de Homicídios por Armas de Fogo – SE – arte minha

 
Gráf 8 - Taxa de Homicídios por Armas de Fogo – RN – arte minha


Gráf 9 - Taxa de Homicídios por Armas de Fogo – BA – arte minha

Peguei apenas alguns estados cujo aumento após 2003 se mostrou notável (mesmo com a escala indo até 60), mas podem conferir lá no site do IPEA: a grande maioria dos estados teve AUMENTO nesse índice após 2003.

Mas então como o consolidado nacional cai? Matematicamente, a resposta é simples: alguns estados mais populosos tiveram queda: o Rio e, destacadamente, São Paulo. E aí, o pulo do gato é que a queda de São Paulo (caindo de 28,24 pra incríveis 6,08) COMEÇOU ANTES de 2003:


Gráf 10 - Taxa de Homicídios por Armas de Fogo – SP – arte minha
(se eu deixasse escala livre, o efeito visual seria ainda mais incrível... 😉)

Não é possível atribuir A CAUSA da redução de homicídios a algo que aconteceu DEPOIS do início de tal redução.
Assim, podemos entender que lá no gráfico 1 não temos causalidade entre desarmamento e queda da taxa de homicídios por arma de fogo e, sim, mera correlação e, talvez, apenas uma correlação espúria. Pra saber o que fazer para reduzir a taxa de homicídios, devemos tentar ver o que aconteceu em São Paulo que não aconteceu no resto do Brasil. (CA1) Desarmamento não está nesse rol.

...
Voltando a outros argumentos dos desarmamentistas, tem-se o (A2) risco que uma reação armada a um crime piore a situação. No entanto, (CA2) o U.S. Justice Department’s National Crime Victimization Study mostra que a utilização de armas de fogo na defesa contra crimes de estupro, roubo ou agressão é exitosa em 65% dos casos e piora a situação em apenas 9% das vezes. Nos Estados Unidos, armas de fogo são utilizadas mais de meio milhão de vezes por ano para evitar arrombamento a residências; na maioria das vezes, sem que tenha sido efetuado um único disparo. [Bandidolatria e Democídicio, Diego Pessi]. O efeito persuasivo nas cabeças do criminosos é exponencial.

Uma variação desse argumento é o (A3) risco de acidente doméstico, canalhamente usado por Haddad em sua campanha presidencial. Não sei a confiabilidade dessas estatísticas, pela dificuldade de categorizá-las, mas (CA3) o que temos mapeado sugere que esses acidentes são irrelevantes. Afogamentos em piscinas são 7 vezes mais numerosos. Alguém quer proibir piscina? Acidentes com estrangulamento e intoxicação são muito maiores.

Vale frisar que, embora muitos desarmamentistas utilizem essa falácia, a posse de arma não seria obrigatória. (hehe). Você continuará podendo escolher não ter arma em casa. (Eu mesmo, embora a favor da posse, não quero ter; mas prefiro que o bandido tenha a dúvida). Cuidado com o salto indutivo: não necessariamente quem apoia o armamento quer ter arma; não necessariamente quem quer arma, vai usá-la.

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No caso em questão, acho que a discussão numérica realizada até agora – especialmente sobre o argumento 1 – poderia ser suficiente, mas pra finalizar, gostaria de uma discussão moral. Como já disse outras vezes, não sou fanboy da eficiência estatal como única métrica para definir uma política pública. O exemplo que sempre cito é a pena de morte: supereficiente mas moralmente inadmissível pra mim. Uma sociedade são seus valores morais, não (apenas) seus números. Ainda que os números sugiram que o desarmamento não seja causa de melhora na taxa de homicídio, eu poderia ser convencido por um argumento moral a favor do desarmamento. O que costuma ser citado é o (A4) direito à vida de terceiros. Acho que é uma falácia, e das feias. (CA4) Arma deveria ser como um seguro: você pode ter, mas torce pra nunca precisar usar. A simples posse de uma arma não fere o direito à vida de nenhum terceiro. 'Com maior poder vem maior responsabilidade'. O portador de armas tem que responder por seus atos. Isso não é uma novidade, com armas legais ou não, 'cidadão do bem' ou 'bandido' (ou pelo menos deveria ser assim). Precisamos fugir da estúpida lógica de que o potencial 'cidadão do mal' está apenas esperando a liberação das armas para poder usá-las indiscriminadamente. Por definição, o 'cidadão do mal' não está nem aí pra lei. O bandido já tem arma hoje. O que se argumenta aqui é liberação de armas para quem hoje não tem arma e, via de regra, só vai usá-la se absolutamente necessário. No fundo, a posse de arma se trata de (CA4b) direito de propriedade, um direito não tão fundamental quanto o da vida, mas também bastante estruturante para uma civilização decente. Grande parte da população não pode contar com a segurança pública, seja por confiança seja por distância mesmo (muitas pessoas moram a muitos quilômetros da delegacia mais perto). É um absurdo que o Estado, além de sua inoperância para defender o cidadão, também queira proibir que o cidadão tente defender a si mesmo.

Pra finalizar, um contrargumento histórico: a quase totalidade das variações de ditaduras modernas foram precedidas pelo desarmamento da população civil. [DPessi:] O armamento civil é peça fundamental na definição do equilíbrio das relações de poder entre o povo e o Estado. 

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