Trechos selecionados de 'O Reacionário', de Nelson Rodrigues.
Sempre digo que o pior da bofetada é o som. Se fosse
possível uma bofetada muda, não haveria ofensa, nem humilhação, nada.
Um gênio não move uma palha, não ameaça, nem influi. Ninguém
morre por um gênio, ninguém mata por um gênio. (...) Um gênio não convence
ninguém, o idiota sim. Ponham um pateta na esquina e deem um caixote ao pateta.
Ele trepa no caixote e fala. Imediatamente, outros idiotas vão brotar do
asfalto, dos ralos, dos botecos. (...) o idiota é uma “força da natureza”.
Claro que nem sempre foi assim. Durante 40 mil anos, o
pateta sabia-se pateta e como tal se comportava. Os melhores pensavam por ele,
sentiam por ele, pensavam por ele. Mas em nosso tempo, e só em nosso tempo, os
idiotas descobrem que são em maior número. – A Revolução do Idiota.
O diabo é que temos a vocação e a nostalgia do caos.
A pior forma de solidão é a companhia de um paulista. (...)
“Mas não era isso que eu queria dizer.” Aqui, trabalha-se.
O brasileiro é vítima dos mais lamentáveis delírios
numéricos. Lembro-me de um orador patrício que assim começou: - “Não vou fazer
um discurso”. Pausa. Em novo arroubo, insiste: (...) “Vou dizer apenas duas
palavras”. Pânico entre os presentes. Pois sabemos que, em nosso idioma, duas
palavras são duzentas. E o homem não parou mais. Segundo consta, está falando
até hoje.
Realmente não temos o menor respeito pelos números.
‘Diz Nelson Rodrigues que, no Maracanã, vaia-se até minuto
de silêncio!’. Não pode ser presidente quem tem medo de vaia – ou pior – não
pode ser presidente quem tem medo do povo.
Aprendi uma verdade que está cravada na minha carne e na
minha alma, para sempre: - “Não se mata”. Mesmo o culpado, não se mata. Um
homem não mata outro homem.
Não estou odiando ninguém. (...) isso é odiar? São os fatos,
os fatos, os fatos. (...) nós conhecemos aquilo que, em psicologia, se chama
projeção. A pessoa projeta nos outros sentimentos seus.
Hoje, o ato de opinar compromete ao infinito.
O que a [feminista] quer é, justamente, liquidar a mulher
como tal. Se vocês espremerem tudo o que ela diz, ou escreve, descobrirão que a
nossa ilustre visita pensa assim, mais ou menos assim: - “A mulher é um macho
mal-acabado, que precisa voltar à sua condição de macho.” (...) Há pouco tempo,
ninguém teria a coragem de, alçando a fronte, declarar: - “A feminilidade não
existe.” Diz mais: – que a mulher para viver dignamente precisa estar acima de
“definições sexuais” como “mãe” e “esposa”. Para a pobre senhora a maternidade
é um fato apenas físico, como se a mulher fosse uma gata vadia de telhado.
Não sei se repararam (e a gente não repara nas evidências
mais ululantes). Mas ninguém ouve ninguém.
(...) O que nós chamamos diálogo é, na maioria dos casos, um monólogo,
cuja resposta é outro monólogo.
Por isso, a nossa vida é a busca desesperada de um ouvinte.
Escrevi aqui mesmo, não sei quantas vezes: - não se adia um
olhar, um sorriso, uma frase. Há sempre uma palavra que não devemos calar.
Somos perecíveis, mas esquecemos que somos perecíveis.
A saudade antes do adeus.
Tenho medo das pessoas que vivem de certezas.
O homem deixou de ser um homem, é um “fato político”.
Sempre digo que a coragem é um momento, que a covardia é um
momento.
E porque não entendemos nada de futebol, Deus nos fez o
favor de confirmar todas as nossas intuições, palpites, vaticínios.
Assim é o brasileiro: - um sujeito atormentado por culpas
imaginárias.
Geração de boteco ideológico.
Cada um de nós está sempre a um milímetro da depressão, a um
milímetro da euforia. Aderna para um lado ou para outro, segundo estímulos
eventuais.
Temos o vício da manchete.
A mulher que odeia não um homem determinado, mas todos os
homens, já deixa de ser mulher.
Nada frustra mais a mulher do que a liberdade que ela não
pediu, que não quer e que não a realiza.
Ou a jovem revolução está na depredação gratuita, na
depredação idiota de algumas das maiores universidades do mundo? (...) Mas
pergunto: - que fez essa juventude? Eu já me daria por satisfeito se, um dia,
tivesse inventado um comprimido, um Melhoral. (...) a juventude não fez nada e
repito: - exatamente nada. Quando nasceu, as gerações passadas deram-lhe, de
mãos beijadas, na bandeja, a maior nação do mundo (...). E, então, por não ter
feito nada, põe-se a contestar, a injuriar tudo o que já estava feito.
Admite que a agitação estudantil não teve grandes consequências
visíveis. Aqui acrescento: - nem invisíveis. Ou por outra: - houve, sim, as
consequências visíveis. Refiro-me aos automóveis virados, aos paralelepípedos
arrancados e à Bolsa incendiada. Fora disso, a jovem revolução não deixou nem
mesmo uma frase, uma única e escassa frase. (...) A razão deixa de ser o que
sempre foi, isto é, uma lenta, progressiva, dilacerada conquista espiritual.
[21/11/1973]
Apanhem o sujeito mais inteligente e o ponham na plateia.
Imediatamente, ele passará a reagir como as duzentas senhoras gordas que
assistem à peça, comendo pipocas. O sujeito que se mete no meio de trezentos
idiotas será um deles. Aí está o milagre da multidão, ainda que seja pequena.
Há um fulminante nivelamento intelectual por baixo.
A elegância é invisível. (...) Se descobriram que sou
elegante, já não sou mais nada. Sua elegância deixara de existir a partir do
momento em que perdera a invisibilidade.
Baseado em toda a minha experiência jornalística, sustento
que nada mais falso, nada mais apócrifo, nada mais cínico do que a entrevista
verdadeira. Por outras palavras, a entrevista verdadeira é uma sucessão de
poses e de máscaras. Ao passo que a “entrevista imaginária”, pelo fato de ser
imaginária e irresponsável, não mente jamais. E o leitor fica sabendo de tudo o
que o entrevistado pensa, sente e não diz nem a muque.
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