quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O que li em 2014


O livro é a compilação de um tradicional curso da Casa do Saber. Em linguagem ultracoloquial, os autores refletem sobre 8 temas: ética, moral, identidade, liberdade, poder, dominação, justiça e virtude.
O conceito exposto de que mais gostei é o de 'moral' como necessidade prática para se viver em sociedade a partir do momento em que não amamos todo mundo. (Se amássemos todos, a moral não seria necessária).

O grande amigo de Montaigne, Étienne de La Boétie escreve um curto manifesto refletindo sobre como tiranos mantém sua tirania (mesmo os escolhidos pelo povo; talvez até piores) e como as pessoas se sujeitam a essa tirania: boas doses de conivência, covardia e cumplicidade são necessárias para manter a própria servidão...
Escrito há quase 500 anos e muito atual.


Mário Ferreira dos Santos analisa a sociedade "atual" (aspas porque foi escrito em 1967) sob influência dos "bárbaros" (como contraposição a civilizados, intelectualizados). Mais: não mais uma invasão "horizontal" (=conquista territorial), mas uma invasão "vertical", interna, dentro da própria cultura. Alguns tópicos bem interessantes como moral, crimes, Cristianismo, ciência e religião, 'alta cultura', racismo... O filósofo usa termos e defende posições que provavelmente causariam mimimi se fossem escritos hoje em dia. Mas gostei bastante do texto. Sua capacidade preditiva é impressionante.

Conflito de Visões ✰✰✰✰✰
Segundo Thomas Sowell, as disputas ideológicas não são baseadas em diferenças de interesse, de conhecimento ou de moral; o cerne é a diferença de 'visão', definida como uma 'concepção pré-analítica'.
Ele classifica as visões em: - IRRESTRITA, que entende que o POTENCIAL humano é ilimitado ou que ainda não foi alcançado (e, portanto, devemos buscá-lo) e; - RESTRITA, que entende que a CONDIÇÃO humana é limitada, falha (e, portanto, devemos lidar com isso).
Os adeptos da visão irrestrita buscam SOLUÇÕES; os da visão restrita buscam COMPENSAÇÕES/TRADE-OFFs.
A partir dessa diferenciação (obviamente um continuum, não binária), há toda uma coerência no posicionamento de ambas as visões quando discutem igualdade, liberdade, justiça, poder...
Com certeza, um livro que será dos mais influentes na minha vida.

Subliminar ✰✰✰
Leonard Mlodinow, autor de O Andar do Bêbado, escreve mais um bom livro, dessa fez sobre a influência do inconsciente em nossas vidas. Com uma pequena pincelada em neurociência (especialmente em relação ao mapeamento da atividade cerebral), ele aponta alguns estudos sobre memória, visão, audição, categorização, racionalização,... Gostei especialmente do capítulo sobre in-groups e out-groups: as diferenciações inconscientes que fazemos entre as pessoas que são do nosso grupo e as que não são, QUALQUER que seja a definição desse grupo (e disso podemos tirar algumas ideias para questões de preconceito).
É um bem bolado de Dan Ariely, Malcolm Gladwell e da turma do Gorila Invisível.
"A evolução NÃO projetou o cérebro humano para entender a si mesmo com precisão, mas para [simplesmente] nos ajudar a sobreviver".

Nate Silver, o estatístico que ficou (mais) famoso por gabaritar o vencedor das eleições americanas em cada um dos 50 estados, fez um abrangente e agradabilíssimo apanhado sobre os vários mundos da previsão, cada qual com suas particularidades, seus desafios, seus acertos, seus erros, seus pop-stars.
Os capítulos passam por eleições, beisebol, basquete, meteorologia, xadrez, poker, macroeconomia, mercado econômico, epidemias, terremotos, aquecimento global, terrorismo.
Apesar de ser uma leitura fácil, não técnica, Nate Silver expõe alguns conceitos teóricos interessantes.
Ou seja, um livro excelente pra uma época em que querem prever a temperatura da Terra daqui a 100 anos ou em que a variação de 0,1 p.p. na previsão do PIB pro ano que vem dá manchete de jornal.

Ideias tem Consequências ✰✰✰✰
Muitos consideram esse livro como um ~must-read~ para direitistas. De fato, Richard Weaver defende muitos pilares do conservadorismo, mas achei um ou outro ponto divergente, como quando ele flerta com uma economia mais planejada ou quando dá umas pequenas porradas no “capitalismo financeiro”.
Achei a leitura difícil, mas gostei bastante. É um excelente mix de “Invasão vertical dos bárbaros”, “Rebelião das massas”, “Conflito de visões”, “As vantagens do pessimismo”.
O autor critica o materialismo e a imediatez vigentes, não no mesmo barco do ambientalismo ou da crítica ao consumismo, mas pela falta de algo transcendental, metafísico.
CRITICA a paixão pela razão, a fragmentação do conhecimento, a substituição da noção de fraternidade pela de igualdade, o fato da organização social deixar de se pautar pelas vocações e passar a ser pela capacidade de consumo (com o trabalho virando mero emprego sem significado ou valor); critica a ideia de conforto como fim último da vida, a psicologia da criança mimada (que acha que tem direito a tudo por “reclamações e exigências” sem ter aprendido a relação entre esforço e recompensa), que a política tenha sido transformada em uma mera serva da economia; enfim, critica “a teoria progressista da história, que ensina que o ponto mais avançado no tempo representa o ponto de maior desenvolvimento".
O autor DEFENDE a distinção e hierarquia (selecionei trechos desse espetacular capítulo aqui), a propriedade privada (ligada à escolha e à vontade, ou seja, intrinsecamente à liberdade) como o “último direito metafísico” (pois não depende de demonstração da utilidade social), a tolerância e a piedade (à natureza, aos outros e ao passado), a prudência e a responsabilidade.
Sensacional.

O livro é um “testemunho da credulidade, estupidez e crueldade humana”; ilustra uma série de besteiras que fizemos e acreditamos ao longo da história. (Consequentemente, claro, faz pensar nas idiotices que vamos deixar pros nossos filhos contarem).
O autor conta histórias de bodes expiatórios na religião (em especial, no Judaísmo e no Cristianismo, em que bate bastante), no esporte (técnicos, juízes), relacionados a gênero/sexo (como na ‘misoginia’ – segundo o autor – da caça às bruxas), na mitologia, com animais e objetos (as histórias de Cortes gastando tempo e dinheiro para ‘condenar’ porcos, pássaros, insetos, sinos e espadas são cômicas se não fossem trágicas), políticos (comunistas como ato final de lealdade, inimigos externos), financeiras (bolhas, lei do ‘tolo maior’), médicas (os próprios doentes, eventualmente a 1ª vítima).
Termina falando do caso emblemático de Alfred Dreyfus, das ideias por trás das teorias da conspiração e da psicologia do bode expiatório, especialmente com Jung (“arquétipo da sombra”). Achei interessante a analogia do bode expiatório com um herói (se ferram individualmente pelo bem do todo).
Alguns capítulos são muito longos, outros muito curtos, o autor sempre volta na questão do Cristianismo, mas é um livro interessante.

Michael Lewis, o autor de renomados livros como Moneyball e Big Short, publica uma espécie de diário sobre sua experiência como pai de 3 filhos, motivado pelo "persistente e incômodo gap entre o que ele DEVERIA SENTIR e o que ele REALMENTE SENTIA" como pai.
Com causos realmente engraçados, ele escancara a função secundária do pai e ironiza os experts em paternidade. Se você não estiver encanado, perturbado ou confuso com a paternidade, você provavelmente estará fazendo algo errado com seus filhos. Na verdade, você provavelmente estará fazendo algo errado de todo modo, mas tudo bem.
(Selecionei alguns trechos aqui)

As ideias conservadoras  ✰✰✰✰
Embora curto, não considerei o livro tão raso como algumas resenhas apontam (talvez seja apenas minha ignorância) principalmente porque João Pereira Coutinho versa sobre alguns "tendões de Aquiles" do conservadorismo e algumas diferenças entre os próprios conservadores. Ou seja, não se trata de um simples contraponto ao pensamento esquerdista ou às ideologias extremistas.
Entre esses "tendões", o autor fala sobre o eventual imobilismo (achei excelente o capítulo sobre "reformas prudentes") e o eventual conflito com "sociedade comercial" (não sabia que daria pra montar um longo manual anti-capitalista apenas com autores, em tese, conservadores).
Com relação às possíveis discordâncias entre os conservadores, a única que me saltou aos olhos (isto é, que inicialmente me faria discordar de Coutinho) é quanto à "maleabilidade na hierarquização de valores de acordo com as circunstâncias", que ele defende. No entanto, é engraçado que, ao ler outros conservadores, a ideia faz muito sentido e fica bem clara.
O livro é muito bom.
"Todos somos conservadores. Pelo menos, em relação ao que estimamos. (...) Conservar e desfrutar são dois verbos caros aos homens que ainda estimam alguma coisa."

É sempre uma experiência interessante ler alguém que sabidamente pensa diferente de mim. O historiador comunista Eric Hobsbawm evidencia seu saudosismo pela União Soviética e sua inhaca pelos Estados Unidos, principalmente nas partes em que fala sobre ‘impérios’. Gostei bastante dos textos sobre terrorismo – em que ele crítica o medo irracional, talvez mais prejudicial que o próprio terror – e sobre democracia – em que ele questiona a ‘unanimidade não questionada’ sobre o tema. Mostra as fragilidades e exemplos que deram errado em ambientes democráticos e outros que deram certo sem ele. (O problema, claro, é que ele dá um passinho além e fica no limite de defender "algo pior" que a democracia...)

O Reacionário ✰✰✰✰
Nelson Rodrigues é um monstro. Crônicas deliciosas, que fazem falta nos jornais de hoje.
Selecionei uns trechos aqui.








Complacência ✰✰✰✰
Fabio Giambiagi e Alexandre Schwartsman analisam as decisões do governo brasileiro na última década, levando à triste situação atual.
Com uma escrita bastante leve, passa por diversos temas como funcionalismo público, educação, previdência, balança comercial, política industrial (de “escolha dos vencedores”), sempre com uma espécie de “curso de introdução à economia” como pano de fundo. Bem interessante.

Política da Prudência ✰✰✰✰✰
Russel Kirk escreve sua bíblia sobre o pensamento conservador americano. Expõe seus 10 livros, seus 10 acontecimentos e seus 10 pensadores preferidos, explica a maioria deles, critica a ideologia progressista e os libertários. Defende a ordem, a justiça e a liberdade.
Livro necessário para todo conservador e outro que, sem dúvida, terá influência marcante em toda minha vida.

Conversa no Catedral ✰✰✰✰✰
Mario Vargas Llosa trata esse livro como sua melhor obra. E, de fato, é espetacular. Tanto o enredo (as histórias se passam na sociedade peruana na época da ditadura) como o estilo.
Muita coisa parecida com a sociedade brasileira e com os tempos modernos.
O Peru também não corre o risco de dar certo.

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