Dois tipos de pensamento antirrevolucionário: (...) espírito
moderado e (...) reação intolerante.
Se uma grande mudança
é para ser feita nos assuntos humanos, as mentes dos homens adaptar-se-ão a
ela, as opiniões e o sentimentos gerais confluirão para esse destino.
Uma tradição que foi capaz de evitar os males do radicalismo
revolucionário ou do revanchismo reacionário – no fundo, uma tradição que pode
se orgulhar de não ter sangue nas suas mãos.
O conservadorismo – ensina Michael Oakeshott – deve começar
pelo presente: pela fruição e conservação desse presente.
A ideologia
conservadora
Todos somos
conservadores. Pelo menos, em relação ao que estimamos. (...) Conservar e
desfrutar são dois verbos caros aos homens que ainda estimam alguma coisa.
Disposição: (...) usar e desfrutar aquilo que está
disponível, em vez de desejar ou procurar outra coisa. (...) Não porque eles
sejam superiores a uma alternativa hipotética, mas, precisamente, porque eles
não são uma alternativa hipotética.
São reais, tangíveis. E a possibilidade de os perder em situações de mudança, e
sobretudo de mudança violenta e repentina, afigura-se com uma provação
fundamental. (...) Só abraçam entusiasticamente a mudança, a qualquer mudança,
(...) aqueles que são estranhos ao amor e ao afeto.
Evitam com apreciável esforço a palavra ‘ideologia’. (...)
Temperamento (...) Fé (...) Espírito (...) Instinto (...) Inclinação (...)
DISPOSIÇÃO. (...) O conservadorismo apresenta uma dimensão existencial que é
anterior, ou até superior, a qualquer ideologia política.
O conservadorismo
político também transportará para a esfera da governança esse gosto pelo
próximo, pelo suficiente, pelo conveniente – recusando a ‘felicidade utópica’
que é típica da atitude revolucionária.
Distinguir o conservador da sua caricatura habitual: o
reacionário. O reacionário não será mais do que o ‘revolucionário do avesso’
(Anthony Quinton) (...), para uma felicidade utópica passada.
O pensamento utópico sempre projetou no passado ou no futuro
a ‘solução final’ para as iniquidades que afligem o presente.
Um conservador
tenderá a recusar essas fantasias (...): por um lado, a falácia de que os
homens possuem uma natureza fixa e inalterável e que, por isso, desejam
necessariamente as mesmas coisas e, por outro lado, a falácia (...) de que os
valores mais caros à existência humana podem ser vivenciados na sua expressão
máxima (a máxima liberdade, a máxima igualdade, a máxima fraternidade) sem
possibilidade de conflito entre eles.
Conservadorismo não apresenta esse ‘ideal substantivo’.
(...) Ausência de uma cartilha a priori.
[Conservadorismo pode ser] uma ‘ideologia’ que, ao contrário
dos rivais, tenderá apenas a emergir quando ‘os fundamentos da sociedade são
ameaçados’. (...) Uma natureza vigilante e reativa.
O conservadorismo é uma ‘ideologia posicional’. (...)
Procura enfrentar uma necessidade histórica específica. (...) ‘Ideologia de
emergência’.
Os revolucionários, alicerçados em doutrinas políticas
abstratas sobre os ‘direitos dos homens’, encaravam a comunidade como se esta
fosse uma carta branca para as suas visões de perfeição. (...) Quando está em causa a perfeição da
humanidade, faz parte do processo revolucionário não questionar a desmesura dos
meios e a ferocidade com que eles são aplicados. O prêmio final seria demasiado
precioso para inspirar condutas de moderação. (...) [E aí] ‘Os meios
criminosos, uma vez tolerados, são rapidamente os preferidos’.
Imperfeição humana
Primeiro princípio estrutural do conservadorismo: a
imperfeição humana ["restrito" de Sowell]
Não é necessário apelar para a Cidade Celeste de forma a
explicar as imperfeições da terrestre. [de forma geral, princípios
conservadores podem ser anteriores aos religiosos; não precisa ser religioso
para ser conservador].
Desautorizam "projetos de mudança grandiosos e
abstratos levados a cabo por pensadores isolados das realidades práticas da
vida política".
A complexidade dos fenômenos sociais não pode ser abarcada,
muito menos radicalmente transformada rumo à perfeição, por matéria tão precária
[o homem]. Não se pretende com isso dizer que a ideologia conservadora nega a
possibilidade de melhoria das condições terrenas - isso seria, no mínimo,
historicamente obtuso. Porque a crítica conservadora não poderá ser confundida
com uma crítica antirracional.
A crítica conservadora lidará não com a razão, mas com o
racionalismo, entendido com uma subversão da razão, (...) com a ambição
desmedida de atribuir à razão a tarefa hercúlea de construir e reconstruir a
sociedade humana de forma radical e perfeita. Não é a razão per se que inspira
a crítica conservadora; é, tão só, a arrogância do racionalismo moderno e a sua
ideia nefasta de "possibilidade infinita" ["irrestrita" de
Sowell]. (...) própria de quem se deixa embriagar pela "filosofia da
vaidade" - a vaidade do otimismo racionalista.
Consequências
imprevistas da ação social: (...) óbvias limitações epistemológicas do
agente político, que muitas vezes erra na análise da situação que se lhe
apresenta, ou na escolha do melhor curso de ação a seguir ou na forma como
executa essa ação.
Sabemos menos do que
pensamos e erramos mais do que devemos. "Sabe pouco da humanidade
aquele que não concede um desconto à nossa comum e inevitável fraqueza".
Consequências
fortuitas: (...) conhecimento que não possuímos porque não o PODEMOS obter
antecipadamente.
E, mesmo que o fossem, como garantir que existe uma ligação
direta entre aquilo que se deseja, por mais nobre que seja, e aquilo que se
obtem no final? Não haverá sempre a possibilidade de um lamentável abismo entre
as (melhores) intenções e as (piores) conclusões?
Espera-se de um estadista que ele possa exibir certas
virtudes que estão ausentes nas condutas de revolucionários. Humildade e
prudência.
Não se pretende sustentar que a posição conservadora remete
toda e qualquer ação humana para o inevitável fracasso. O ceticismo conservador
não é uma forma de fatalismo, nem a rigor de pessimismo. (...) Há consequências
imprevistas (e imprevisíveis) que podem ser indesejadas (e indesejáveis). (...)
A política não é um jogo de cassino.
Avançar sempre "sensível à sua própria cegueira" e
com um apurado "sentido de sua própria fraqueza". (...) Terá em conta
o inescapável papel das tradições e das circunstâncias.
O sentido da realidade
"Por mais absorto que um general esteja na elaboração
das suas estratégias, às vezes é importante levar em consideração o
inimigo". (...) A importância das circunstâncias.
Desautorizar esse violento repúdio ao presente que parece
definir a teoria e prática de revolucionários ou reacionários.
"Nada de universal pode ser racionalmente afirmado
sobre qualquer assunto moral ou político".
Essa capacidade para entender a realidade tal como ela é e
não como deveria ser à luz dos nossos projetos, desejos ou sentimentos
particulares - o estadista "realista" não surge perante a comunidade
"possuído pelo seu brilhante e coerente sonho" e interessado em
submeter todos a esse sonho.
Legou ao pensamento conservador sua maleabilidade. [não
flerta com "incoerência"?]
Burke vislumbrou na Revolução Francesa o seu caráter
perfectibilista e destrutivo (ou destrutivo porque perfectibilista).
Cada situação, cada circunstância, convida a uma resposta
particular.
O conservadorismo britânico se orgulha por adotar inovações
de esquerda quando elas mostram a sua validade perante os testes da experiência
e as necessidades do momento.
A maleabilidade às circunstâncias (...) será a expressão
mais evidente do seu pluralismo político.
Um conservador pluralista tenderá sempre a negar prioridade
a um único valor ou a um conjunto de valores sobre os demais. [no momento, isso
me deu um grande nó; não aceitei fácil. Mas, principalmente após Kirk, entendi
melhor].
Admitindo, porém, que outras comunidades podem abraçar
outros valores. [não precisa impor "sua verdade"; Kirk também bate muito
nisso quando critica ideia americana de impor "sua" democracia pro
resto do mundo].
Não é função do estadista conceder a determinados valores,
sempre e em qualquer contexto, primazia sobre os restantes.
Uma vez afastada a "falácia agregadora" de que fala
Scruton (...), ao estadista cabe a função mais modesta de escolher e equilibrar
valores múltiplos e concorrentes. (...) "A total liberdade para os lobos é
a morte para os cordeiros".
Conforme relembra Scruton, perguntar qual a melhor forma de
governo em abstrato convida sempre à atitude do ateniense Sólon, que devolveu a
pergunta com novas perguntas: "Governo pra quem? E em que tempo?".
[É claro que] A maleabilidade poderá abrir-se à crítica
recorrente de que o conservadorismo não será mais do que uma forma de
relativismo cultural e até ético...
Concepção universal de natureza humana que indicará não
aquilo que os indivíduos devem fazer, mas o que eles não devem nem podem fazer.
Os testes do tempo
Só aqueles que nada estimam podem abraçar entusiasticamente
a mudança, qualquer mudança, em qualquer circunstância.
A duração não é valiosa para aqueles que pensam que pouco ou
nada foi feito antes do seu tempo. Pelo contrário: a antiguidade dessas
tradições e instituições era um motivo suplementar para que elas fossem
inapelavelmente destruídas. Como se essa antiguidade fosse expressão de um
defeito intrínseco.
Parece existir no moderno pensamento liberal a ideia radical
de que todas as tradições são "invenções" (...), que podem ser
"reinventadas", substituídas ou pura e simplesmente destruídas.
Mas as tradições que importam a um conservador não são
apenas as que resultam ou resultaram de um ato consciente de criação humana.
(...) porque sucessivas gerações encontraram nelas vantagens que aconselharam a
sua manutenção.
Obviamente que, nessa atitude, o conservador sabe que nem
todos, no tempo presente, podem desfrutar desses arranjos - o conservador não é
um personagem de Voltaire, acreditando que vive no melhor dos mundos possíveis.
O conservador não é
estranho a situações de pobreza e exclusão que impedem muitos seres humanos de
beneficiar do patrimônio moral e institucional de uma sociedade. Porém, a única
forma de estender futuramente esse patrimônio aos mais desfavorecidos não
significa, logicamente, destruí-lo. Significa, antes pelo contrário,
preservá-lo (e às vezes reformá-lo) de modo que as gerações vindouras possam
ter "uma casa, e não uma ruína".
As tradições (...) permitem ao indivíduo (...) entrar na
"grande conversa da humanidade".
As tradições que cobrem a "natureza nua" dos
indivíduos com as vestes do costume e do hábito.
Alargar os horizontes limitados do estadista presente,
alertando-o para a sua circunstancial pequenez humana.
Relembrar aos vivos a sua natureza transitória num mundo que
não lhes pertence, exceto por empréstimo.
"Sabedoria sem reflexão" - uma forma de designar
os preconceitos que todos temos e de que todos precisamos.
Acontece que os "preconceitos" que interessam a um
conservador não podem ser entendidos, ou confundidos, com meras ideias
irracionais sobre determinados comportamentos, minorias ou indivíduos - o
sentido atual e rasteiro do termo. Se todas as palavras também tem uma
tradição, importa recordar que "preconceito" deve ser entendido no
sentido clássico, ou seja, como praejudicium
- um precedente ou um julgamento baseado em decisões ou experiências passadas
que, pela sua validade comprovada, informam decisões ou experiências presentes
e futuras. (...) válidos porque testados.
As tradições são também o ponto de partida para qualquer
atitude reformista. (...) Uma sociedade incapaz de conservar é uma sociedade
incapaz de se reformar.
A reforma prudente
"Para que mudar, se as coisas já estão tão ruins?"
[Da piada] se conclui que a inação será sempre preferível a qualquer ação inevitavelmente
destrutiva. (...) Levou demasiado longe uma caricatura.
[Críticas aos conservadores:]
"Tese perversa" (:...) acabarão sempre por gerar
perversamente o oposto dos objetivos que se propunham alcançar.
"Tese fútil" (:...) serão apenas "superficiais"
(mudanças de fachada, digamos).
"Tese ameaçadora" (:...) para que mudar se as
coisas não estão tão ruins?
A revalorização das "consequências fortuitas" não
equivale à afirmação de que tudo resultará necessariamente no seu contrário.
(...) Os resultados de qualquer mudança apresentam sempre uma margem de
imponderabilidade que tanto pode frustrar o agente, como contentá-lo muito além
das suas melhores intenções originais. (...) Há acasos felizes.
Outras ideologias rivais (e racionalistas) defendem com preocupante
otimismo que tudo está condenado ao sucesso desde que os homens tragam os
problemas da sociedade perante o tribunal último de uma "razão clara e
distinta".
Um organismo vivo, dotado de vida própria, ou seja, de
evolução e transformação.
Reconhecendo que a mudança é inevitável em qualquer
sociedade composta por seres vivos, Disraeli afirma que ela não deve proceder
de doutrinas gerais ou princípios abstratos (e arbitrários). As mudanças devem
fazer-se por referência (e em deferência) "às maneiras, aos costumes, às
leis, às tradições de um povo".
Um princípio seguro de conservação e um princípio seguro de
transmissão, sem excluir um princípio de melhoria. Conservação, transmissão,
melhoria: a ordem dos fatores não é arbitrária.
"Um estado sem a
possibilidade de alguma mudança é incapaz de se conservar", diz Burke.
(...) A reforma é necessária para se preservar (e melhorar) o que se encontra
em risco.
A importância
preventiva da reforma para que se evitem situações potencialmente
revolucionárias. (...) A reforma será especialmente relevante para um
conservador avesso ao radicalismo político.
É importante estender
quantitativamente essas condições, de forma a evitar que um elevado número de
indivíduos atue radicalmente porque nada tem a perder e tudo a ganhar.
(...) "Para que possamos amar o nosso país, nosso país deve ser
amável".
Sobre as mudanças
exógenas, o conservador deve ter em conta que a inovação traz sempre uma perda
inevitável e um ganho possível, o que significa que cabe a quem propõe a referida
mudança mostrar claramente as vantagens da inovação sobre as certezas da
tradição.
A inovação deve
partir de uma situação concreta, não de mero desejo abstrato. Deve ser resposta
a um defeito preciso. Deve ser pequena e parcelar. Deve operar-se lentamente e
ser acompanhada passo-a-passo.
Fazer uma distinção, nem sempre fácil, entre as imperfeições
toleráveis e as imperfeições intoleráveis (...), distinguir coisas acidentais
de causas permanentes, na medida em que nem todas as irregularidades constituem
um "desvio total".
"A ciência de construir uma comunidade ou de renová-la
ou de reformá-la é como qualquer outra ciência experimental, algo que não pode
ser ensinado a priori" - Burke
As reformas atempadas [prudentes] são feitas "com o
sangue frio" e não precipitadas por "estados de inflamação",
típicos da mentalidade revolucionária e destrutiva.
Capaz de separar o todo da parte em falta, reformando-se a
parte em falta sem alterar a substância do todo.
Karl Popper - engenharia "parcelares": (...)
avaliar no prazo devido as consequências mais tangíveis de cada ação reformista
antes de se avançar para uma nova ação do mesmo tipo.
Imperfeição intelectual (...), humildade política, (...)
afastar do horizonte da espécie humana qualquer ambição perfectibilista ou utópica.
A "sociedade
comercial"
A direita nunca vislumbrou no capitalismo o tipo de vícios
desumanos que a esquerda se especializou em detectar e denunciar. Acontece que,
para espanto desses mesmos espíritos, seria possível escrever um longo manual
anticapitalista só com autores conservadores.
É possível articular uma defesa conservadora da
"sociedade comercial"sem haver qualquer contradição entre os termos.
Se a função de um governo é respeitar, por princípio, a
natureza humana, importante é também que ele respeite uma das propriedades
fundamentais dessa mesma natureza: (...) propensão para negociar, permutar ou
trocar uma coisa pela outra.
A vontade e a necessidade humanas de mercadejar eram das
mais "autênticas" paixões naturais, e só um poder político tirânico
podia suspendê-las ou destruí-las.
O conservadorismo portanto deve começar por respeitar a
natureza dos homens, (...) num sistema em que são as escolhas naturais e livres
dos indivíduos, e não a imposição autoritária de um padrão único de preferências
ou comportamentos.
"Os resultados econômicos [do mundo ocidental] são
melhores porque a filosofia moral é superior. É superior porque começa pelo
indivíduo, pela sua singularidade e pela sua capacidade de escolha." -
Thatcher
"Capacidade de escolha" parece colidir com
"legisladores da humanidade". (...) O capitalismo não parece despertar o mesmo fervor que
outros ideais econômicos ou éticos. Não existe uma dimensão
"transcendente" no capitalismo.
Um conservador valoriza uma "sociedade comercial"
, não por motivos transcendentes - antes por motivos empíricos e imanentes.
(...) A "sociedade comercial" funciona.
Funciona duplamente: na criação e na distribuição de riqueza e, além disso,
como expressão das livres aspirações humanas.
O mercado livre, mais do que uma ameaça a tradições
estabelecidas, deve ser visto com uma tradição estabelecida (...) sobreviveu
aos sucessivos "testes do tempo". (...) "ordem espontânea"
(...) emergiu natural e espontaneamente pela interação livre e obviamente
incontrolada dos seus diferentes elementos.
A mentalidade monista do intelectual secular convive mal com
indivíduos que procuram livremente os seus fins de vida sem atenderem às
recomendações paternalistas e tantas vezes autoritárias de uma elite política,
filosófica ou religiosa.
O respeito pela liberdade das escolhas humanas não pode ser
confundido com uma reverência acrítica a qualquer resultado.
A imperfeição humana que define os homens determinará muitas
vezes lamentáveis condutas - e lamentáveis consequências. (...) Ninguém celebra
a liberdade de um louco que fugiu de sua cela para aterrorizar a vizinhança.
(...) Sublinhar a impossibilidade de aferirmos a qualidade de um valor apenas
tendo em conta a "nudez e o isolamento da abstração metafísica". [talvez
uma boa resposta à 'maleabilidade de valores']
Será também aconselhável (...) que o açougueiro, o
cervejeiro e o padeiro exibam certas virtudes
que o mercado tende a reconhecer e a premiar. (...) Valores como disciplina (e
autodisciplina), confiança (e auto confiança), honestidade. (...) A moralidade
dos mercados. "Viver numa economia
de mercado encoraja certas formas de comportamento virtuoso".
E quando esse comportamento não é virtuoso? (...) Questionar
se (...) as falhas morais são anteriores a qualquer participação no sistema e
que podem igualmente emergir em contextos exteriores ao próprio mercado.
Imputar ao mercado
comportamentos reprováveis do ponto de vista ético mais não é do que um
lamentável expediente para desculpabilizar moralmente os indivíduos. (...)
Convém não desprezar a influência prévia que as famílias, as escolas, as
igrejas e todos os restantes "pequenos pelotões" desempenharam (ou
não) na formação moral de um caráter. (...) O que somos dentro do mercado
depende do que fomos (e somos) fora dele.
Uma lembrança especialmente importante para os herdeiros
libertários de Adam Smith (... :) o Estado é a mais importante instituição para
o bom funcionamento de uma "sociedade comercial". Porque só o Estado
garante a defesa da paz e da ordem; a construção onerosa de grandes
infraestruturas que não podem depender apenas do voluntarismo da iniciativa
privada; e a administração independente da justiça, capaz de defender a
propriedade privada, o respeito pelos contratos firmados ou a punição de crimes
e abusos cometidos.
"O governo também tem o claro dever de ajudar a cuidar
dos doentes e dos velhos e de providenciar uma rede de proteção para todos
aqueles que, sem culpa alguma, caem no desemprego, na pobreza e na
privação." - Thatcher
Conservadores ou
monomaníacos: uma conclusão
Ignorância ou má-fé (...) "Conservador" e
"fascista" são termos incompatíveis entre si. (...) Fascismo, assim
como o comunismo, adquire contornos inapelavelmente revolucionários e utópicos.
A ação revolucionária, pelo contrário, obedece antes a um
"princípio de preguiça": a preguiça de quem é incapaz de
pacientemente estudar e reformar a comunidade real, optando antes por
"atalhos" e pelas "facilidades falaciosas" da destruição e
recriação totais.
O conservadorismo, como ideologia reativa que é, define-se
pela sua atitude geneticamente antiutópica.
Pela defesa da imperfeição intelectual humana perante a
complexidade e as contingências com que nos confrontamos no ato de governar;
pelo reconhecimento das diferentes concepções do bem que definem as sociedades
abertas, democráticas e pluralistas; pelo respeito às tradições úteis e
benignas que sobreviveram aos diferentes "testes do tempo"; pela
apologia de uma atitude reformista que seja capaz de evitar a degradação do
"edifício" que se procura conservar; e pela valorização e proteção de
uma sociedade comercial.
Desautorizar a procura por ideais utópicos (...) porque
(...) assentam na arrogância própria de quem se considera onipotente e
onisciente ignorando "a sua própria cegueira".
O que move Burke é a perigosa ideia de
"plasticidade" do mundo e da natureza dos homens, como se ambos
pudessem ser objeto de transformação radical.
Modesto e prudente.
Não cabe ao poder político decidir a hierarquia de valores
sob a qual todos os indivíduos terão de viver as suas vidas. Porque são os
indivíduos que vivem essas vidas. [não abre brecha pra falar que aborto é uma
questão pessoal, então? Poder político pode impor valor da vida como
primazia?]. (...) Confronto com outras tradições conservadoras de natureza monista,
ou seja, defensores da aplicação de um valor ou de um conjunto de valores
absolutos.
"Uma moralidade mínima que proíbe o homicídio, a
agressão, o roubo e a mentira é igualmente aceita por liberais e
tradicionalistas". [isso já não é uma hierarquização?]
O reconhecimento de uma natureza humana comum será também
uma forma de repetir a velha máxima de que, em cada destino amargo, poderia
também estar o meu destino.
Definir a específica (e limitada) vocação de um governo:
(...) sobretudo aquilo que ele não pode nem deve fazer.
O que um governo conservador não pode nem deve fazer é
"impor atividades substantivas" sobre terceiros, como se a vida
alheia pertencesse a um dono sem rosto.
Para um conservador, o imperativo da continuidade é mais importante do que a promessa de que algo irá
triunfar.
É perfeitamente possível ser um conservador em política e um
radical em todo o resto.
Eis talvez o mais importante princípio de uma sociedade
política tolerável: evitar que o poder seja exercido por monomaníacos [radicais].