segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Angústia, fé e razão


Algumas perguntas das inúmeras discussões em que me meto às vezes simplesmente ficam no ar. Uma dessas é a do amigo Fil, questionando os motivos da minha religiosidade, ‘embora culto, sem doenças e sem necessidades materiais’.

Antes de tudo, é bom deixar claro que não sou ‘do tipo pregador’, tão chato quanto os ateus pregando sua crença, a inexistência de deus. Ou seja, não o incomodo (pelo menos, não nesse particular...). Outro fato intrigante da pergunta-confronto é que esse amigo é muito ‘do bem’, segue uma moral ou ‘bons costumes’ que uma mãe (ou uma religião...) gostaria de passar pr’um filho. Mas me questiona...

Geralmente digo que, por trás dessa desconfiança no sobre-humano por parte de um ateu, existe um excesso de confiança na razão humana. E esse excesso de confiança no homem, essa auto-suficiência é tão ‘misteriosa’ (ou ‘questionável’...) que a confiança em um deus. Pois bem...



Acabei de ler ‘Temor e tremor’, de Soren Kierkegaard, um raro filósofo existencialista e, ao mesmo tempo, religioso. Confesso que a leitura não é fácil.

Cheguei ao autor através de um dilema interno entre idéias aparentemente paradoxas, pelas quais sou simpático: a ausência de sentido da vida e a fé em Deus.

O livro conta a história de Abraão - já em idade avançada, chamado por Deus a sacrificar seu único filho, Isaac -, apresenta suas alternativas e as compara a alguns outros dilemas famosos da História.
A passagem de Abraão é (erroneamente) simplificada da seguinte maneira: ‘Abraão ofereceu o que tinha de mais valioso como prova de sua fé em Deus’.
Kierkegaard discorda. A mensagem não é essa e destaca duas grandes razões:
1) Um milionário que se desfaz de toda sua fortuna como prova de amor a Deus também pode estar oferecendo o que tem de mais valioso, mas definitivamente não revive a história de Abraão. Aí não há a angústia, não há a dúvida doída e calada, questão central no drama de Abraão.
2) Ao contrário dos demais dilemas, nos quais a moral é ‘força impulsionadora’ para coisa certa, na questão de Abraão a moral é justamente a tentação. Os costumes mandavam Abraão não matar seu próprio filho.

A história é o caminho pelo qual Kierkegaard desenvolve sua noção de fé. Ele diz que antes da fé, é preciso uma resignação absoluta, um completo aceitar. Acho que assim, ao invés de contrapor (como um paradoxo), ele consegue aliar a ideia da religiosidade ao conceito de (ausência de) sentido da vida.

Gosto da parte em que diz que a fé é uma paixão e, como toda paixão, deliciosa e carente de maiores explicações. Ainda: a fé se inicia onde acaba a razão. (Uma boa explicação para religiosidade em diversos níveis educacionais, isto é, cada pessoa com seu ‘limite de razão’).

Acho que é uma boa resposta, na medida do que é possível e preciso ser respondido...

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