"Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil… Parafraseio o Alberto Caeiro: 'Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma'. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer… Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. (...) Falar logo em seguida seria um grande desrespeito. Pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que julgava essenciais. Sendo dele, os pensamentos não são meus. São-me estranhos. Comida que é preciso digerir. Digerir leva tempo. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se falo logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: 'Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.' Segunda: 'Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.' Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: 'Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.'" - Rubens Alves
Há alguns anos, recebi o trecho acima num desses vídeos de whatsapp. E, cada vez mais frequentemente, me lembro dele.
Acrescento duas variações que são ainda mais crueis e, também, cada vez mais frequentes.
A primeira é a "competição" no assunto em questão. O "e eu, então?". A contraparte fala de uma dor no joelho, o sujeito retruca: "e eu, então?, que já operei 3 vezes o cruzado posterior". A contraparte desabafa sobre a angústia no emprego, o sujeito responde: "e eu, então?, que já fiquei 6 meses desempregado". A contraparte está triste por estar brigado com a esposa e o sujeito: "e eu, então?, que já estou no 3º casamento". A contraparte diz que não anda bem com os pais, o sujeito: "e eu, então?, que fui abusado pelo pai na infância". (Nem sei se é pior se os contraexemplos são de fato mais graves...) O sujeito não quer ouvir, quer apenas competir. É o orgulho da pior espécie. A dor da contraparte não o atinge de modo algum. É um fingimento. "Engole o choro, porra."
A segunda variação é o que se brincou na internet como sendo o ad corintianus. Aquele argumento "só eu sei como é". Aquela pegada que os corintianos tinham de que só eles sabiam o que era sofrer, o que era torcer, o que era vestir a camisa. (Spoiler: não são únicos). Uma categoria que faz isso com frequência é pai/mãe: "só quem é pai sabe". Já ouvi isso até em velório... Nada afasta alguém mais do que o "só quem é _____ sabe" (assumindo que o alguém não é ________). Além de tudo, acho até meio infantil. Meu filho de 4 anos que está nessa pegada de "e eu?" quando brincamos com a bebê menor.
Outro dia, li sobre a diferença entre empatia e identificação. Empatia era algo como acolher/entender o outro MESMO SEM ter a tal identificação. Não existe aquela coisa de "eu sei o que você está sentindo...". Não, eu não tenho ideia do que você está sentindo, mas MESMO ASSIM, quero estar aqui ao seu lado.
Tenho me afastado dos "e eu, então?" e dos "só eu sei como é". Eles não querem saber como eu sou, eles não querem saber como mais ninguém é. Suas bolhas lhes bastam.
terça-feira, 22 de maio de 2018
segunda-feira, 7 de maio de 2018
O homem medíocre
"Entre uns [superiores] e outros [inferiores] flutua uma grande massa, impossível de se caracterizar por inferioridades ou excelências. Os psicólogos evitam ocupar-se, a arte os despreza por incolores, a história não sabe seus nomes. São poucos interessantes, em vão se buscaria neles uma aresta definida, uma pincelada firme, um rasgo característico. De igual desdém os cobrem os moralistas; individualmente, não merecem o desprezo que fustiga os perversos nem a apologia que se reserva aos virtuosos. Sua existência é, contudo, natural e necessária".
Jose Ingenieros
Jose Ingenieros
Mais do que isso, acredito que o homem médio é quem define o caminho da sociedade. Família, valores, cultura, votos, trabalho. A coisa mais extraordinária do mundo é um homem comum, uma mulher comum e seus filhos comuns [GKChesterton]. Uma sociedade é boa na exata medida em que seu homem médio o é.
Não é fácil ser medíocre. É uma batalha constante com a esperança. (Como contraste, o homem-foda se alimenta diariamente dela. Não tem nada que o homem-foda sonhe que não seja possível pra ele; o sonhar é quase que já realizar). O homem-médio é uma constante adaptação ao 'possível', ao 'que dá', ao 'é isso que tem pra hoje'. O homem-médio apanhou um pouco do acaso. O homem-médio é muito mais acostumado com a frustração (isto é, a realidade em si).
"Uma certa bagagem de frustrações, desilusões, cicatrizes, enfim, daquilo que chamamos de vida. Só com esse repertório você é capaz de assimilar a grande questão (...) da música: Um sonho é uma mentira se não se torna realidade ou é algo pior?
(...)
Viver é aceitar a perda das alegrias e crescer é ver todos os nossos sonhos serem esmagados um após o outro. Sobreviver é encontrar um rio que possa nos dar esperança. Ou meras possibilidades de melhora. Algo a que você possa se agarrar. Quando Springsteen canta que vai até o rio mesmo sabendo que ele está seco, é porque o destino já não importa mais tanto assim. O importante é o ato, a ida. Uma demonstração de fé absurda." - Renato Thibes
O homem-médio precisa saber ser manso para lutar contra a inveja, transformá-la em admiração sincera. O homem médio precisa saber ser pacífico. O homem médio precisa saber esperar. O homem médio acaba conhecendo o que é realmente importante pra nós.
Não há sucesso mais difícil, mais "dolorido" do que o daqueles incrivelmente parecidos conosco. Daí, segue que, quanto maior o número de pessoas com as quais nos consideramos ‘iguais’, maior a possibilidade de sentirmos inveja. [Alain de Botton]. O homem medíocre luta com isso o tempo todo.
A primeira vez que isso me pareceu evidente foi quando saí de um grande banco para tocar uma pequena empresa de estacionamento. No banco, tive vários cursos sobre gestão de pessoas: "saber aproveitar potencial e expectativas". Na empresa, minha mensagem sincera para um manobrista recém-contratado seria: "Rapaz, se tudo der certo, daqui a 10 anos você estará na mesma posição; e provavelmente estará satisfeito com isso."
Com as devidas proporções, o mundo real é muito mais próximo da situação do manobrista do que do estagiário do banco.
A vida é um Grande Funilzão. Muita gente se percebe medíocre na primeira escolinha (ou no primeiro esporte ou na primeira aula de música ou no primeiro não da bonitinha, mas para esse texto, estou focando mais na parte acadêmico-profissional). Até chegar ao Ensino Médio, muita gente já fica pelo caminho e/ou vai cambaleando. O vestibular é outra grande peneira. Gente foda no colegial já se percebe medíocre na faculdade. Terminar a faculdade é outro desafio. E aí vem a carreira profissional. Muito difícil estar sempre no pelotão 'da frente'.
"(...) são os eternos beautiful losers que um dia saberão
que a arte da perda é a única na qual vale a pena se aperfeiçoar.
Porque, no fim, baby, you´re a rich man indeed, mas o que importa é que a única forma de escapar do ciclo de ressentimento é a resignação."
Martim Vasques
....Pode parecer uma toada meio deprê, mas sinceramente não acho. (Ou pelo menos não deveria ser). (Claro: é mais fácil falar do que fazer). Ser medíocre não é um problema em si (a estúpida maioria o é!). Acho que se torna um problema só se ficar lutando contra os fatos, nadando contra maré, dando murro em ponta de faca.
Tem algumas vantagens mundanas também. Acho que os fodões precisam sempre de novas emoções. Não basta ter ido pra Barreira de Corais, agora tem que ir pra Ilha de Páscoa. Não basta ter ido pra Ilha de Páscoa, agora tem que ir pra Palau. Não basta ser o Head da America Latina, tem que ser o Head Mundial. E assim por diante. O homem medíocre provavelmente estará (realmente) satisfeito com o futebolzinho na TV no domingo e o salário na conta sem atraso. Na verdade, ele acha DO CARALHO o futebolzinho na TV no domingo. TODO domingo.
"O homem comum, em meio a uma ocupação trágica, tem, durante toda sua vida, negado em ser trágico. O homem que tem cavado, regado, arado e cortado lenha desde o princípio do mundo, tem vivido sob inúmeros governos, às vezes bons, mas na maioria das vezes, maus. Entretanto, até onde sabemos, ele sempre tem cantado em seu trabalho."
GKChesterton
Nós poderíamos estar felizes o suficiente com pouco, se pouco fosse o que queríamos; e poderemos nos sentir miseráveis com muito, se formos inclinados a desejar tudo. O preço que pagamos por ter expectativas tão maiores que nossos ancestrais é justamente uma angústia perpétua por estarmos longe de ser tudo aquilo que ‘poderíamos ser’.
(...)
Toda sociedade atribui uma alta estima a um certo grupo (enquanto condena ou ignora outros) baseado em habilidades, origem, temperamento, força física, cor da pele, gênero, religião,... Longe de ser permanente ou universal, as 'qualidades' em um local ou época podem ser irrelevantes ou mesmo indesejáveis em outros. Os valores de status foram e serão objetos de mudanças. [Alain de Botton].
Ao aceitarmos sem ressentimento, acabamos valorizando a consequência 'boa' de ser medíocre profissionalmente: cuidar da família, ser uma boa pessoa. Enfim, buscar o bem perene, o bem atemporal, o bom que não sai de moda.
Os fodões se maravilham com coisas incomuns; o homem médio se maravilha com o corriqueiro. Isso é sabedoria. [Confúcio, adaptado. hehe]
E, claro, contar com a transcendência: o momento em que o sucesso profissional será simplesmente irrelevante.Ao aceitarmos sem ressentimento, acabamos valorizando a consequência 'boa' de ser medíocre profissionalmente: cuidar da família, ser uma boa pessoa. Enfim, buscar o bem perene, o bem atemporal, o bom que não sai de moda.
Os fodões se maravilham com coisas incomuns; o homem médio se maravilha com o corriqueiro. Isso é sabedoria. [Confúcio, adaptado. hehe]
domingo, 6 de maio de 2018
Cartas a meus filhos
XIII
Pouco tempo depois, assisti ao Poderoso Chefão e o trecho abaixo me lembrou do meu pai:
Amo vocês.
Quando papai tinha uns 25 anos, com carteira assinada direitinho,
o vovô pediu para que eu fosse fiador em um aluguel pra Dinda estudar no interior. Eu
fui contra porque achava que era muita frescura e mordomia pra ela. O vovô me
mandou engolir o que eu achava e fazer o que ele mandava. Ele estava certo, eu
errado.
Pouco tempo depois, assisti ao Poderoso Chefão e o trecho abaixo me lembrou do meu pai:
"Don't ever take sides against the family. Never."
Não importa: fique sempre ao lado da família, filhos.
Com raras exceções, entre desconhecidos e amigos, fique ao
lado de amigos; entre amigos e parentes, fique ao lado dos parentes; entre
parentes e familiares próximos, fique com os familiares. É uma boa regra de
bolso.
Amo vocês.
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