terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O que li em 2013

A Revolta de Atlas 1 ✰✰✰
O 2º livro mais influente nos EUA (só atrás da Bíblia) é muito bom. É uma homenagem ao self-made man. Ayn Rand conta a história de um pequeno grupo de empresários que quer ganhar dinheiro 'fazendo as coisas acontecerem' nos EUA. O pano de fundo é o libertarianismo (deixa rolar!) versus o keynesianismo (mão pesada do governo controlando a economia). Mas dá pra encarar como algo mais simplista: os que querem desatar os nós versus os que querem apertar os nós ainda mais. 
(Não estou reduzindo as citadas escolas econômicas a esses 2 pontos; até porque a visão de Rand é bem parcial e extremamente caricatural). Gostei da primeira parte da trilogia.

O que o dinheiro não compra ✰✰
Gosto muito do autor, Michel Sandel, pelo famoso curso 'Justice - the right thing to do' (disponível online) e respectivo livro sobre o assunto. Mas acho que ele erra a mão um pouco nesse 2º livro. A ideia de reforçar a importância das questões morais no campo político é importantíssima, mas ele exagera.



Quando a maioria pensa da mesma maneira, muito provavelmente estará errada. O livro conta histórias de efeito manada (pro lado errado, claro) e lista uma espécie de 'técnicas' para conseguir se blindar. Opinião pública não é sinônimo de verdade (muito pelo contrário). Foi escrito em 1953. Bem bom!



O Príncipe ✰✰✰
'Os fins justificam os meios' não está escrito ipsis litteris na obra de Maquiavel mas claro que, ao descrever - baseado em sua larga experiência - os modos como os governos (principados) são conquistados e mantidos, ele deixa explícita essa lógica. Mas menos como um conselho ou um pensamento próprio, e mais pela observância de como as coisas são de fato. Também gostei. Completou 500 anos em 2013, como destacou João Pereira Coutinho nessa coluna

A mais pura verdade sobre a desonestidade ✰✰✰✰
Sou um fã de Dan Ariely. O 3º livro do economista comportamental de Duke também é muito bom. Com uma série de testes controlados, ele desmonta a tese do 'crime racional' (pela qual, trapacearíamos apenas por um cálculo entre o benefício da trapaça e o custo de ser pego). Ele testa influências mais 'irracionais' - como simples evocação à moralidade, parceria, esgotamento, criatividade, etc. - no efeito (e no montante) da trapaça. Livro muito bom.

Crime e Castigo ✰✰✰✰
Outra obra prima de Dostoievski, com reflexões sobre o acaso, os impulsos, a (auto)mentira, a bagunça entre o 'bem' e o 'mal', o 'certo' e o 'errado' e, principalmente, a angústia (pra se tolerar?) em que vive o protagonista (e, claro, todos nós).




Ser conservador ✰✰✰✰
Um pequeno manifesto do clássico pensador conservador Michael Oakeshott. Excelente.








Status Anxiety ✰✰✰✰✰
Meu primeiro contato com Alain de Botton foi assistindo a essa ótima palestra TED sobre noção de sucesso e meritocracia. Estive presente quando se apresentou em São Paulo, pelo Fronteiras do Pensamento, falando sobre as virtudes da religião, mesmo para ateus (como ele). Depois, a seqüência do The School of Life me pareceu meio embromation. Nesse livro, acho que ele acerta em cheio falando sobre o maior drama da atualidade: a angústia. Discorre sobre 5 causas (falta de amor, expectativas, meritocracia, esnobismo e dependência) e 5 possíveis escapatórias/proteções (filosofia, arte, política, religião e boemia). Fiz uma resenha aqui. 

Human Transit ✰✰✰✰✰
Jarret Walker sintetiza as principais ideias sobre as quais já escreve em humantransit.org. No livro, fala sobre as 7 demandas de um bom transporte público, sobre linhas e loops, paradas e estações, obstáculos e atrasos, tarifas, os trade-offs entre cobertura versus quantidade de passageiros, entre conexões versus complexidade e, principalmente, sobre sua bandeira principal: a necessidade de maior freqüência entre os ônibus/trens. Considero um livro simplesmente necessário para quem quiser discutir (e gerir) transporte público, mobilidade e urbanização.

Foi um imenso prazer conhecer Roger Scruton. O filósofo conservador apresenta 7 falácias utilizadas pelos 'otimistas inescrupulosos' (o eufemismo que ele utiliza para esquerdistas) e algumas conseqüências a partir delas. Resenhei aqui. 'Meu' melhor livro do ano.




Como viver ✰✰✰
Sarah Bakewell faz uma biografia de Montaigne, apresentando as principais ideias do filósofo, com estrutura semelhante à sua principal obra ('Ensaios'), ou seja, pensamentos livres, sem uma organização clara ou pré-definida. Interessante.
(Exatamente hoje, saiu uma resenha no BrainPickings)


Capitalismo de laços ✰✰✰✰
O doutorado do professor Sergio Lazzarini virou um livro no qual ele disseca a estrutura de poder no Brasil, passando pela abertura econômica do Collor, as privatizações de FHC e as aberturas de capital no período Lula. Muda-se tudo para não se mudar nada: o Estado continua sendo o principal player econômico, cercado de 'amigos' cada vez mais próximos. Também considero uma leitura fundamental para discussão econômica aqui no Brasil.

Com uma escrita irreverente (até demais), meio no estilo 'Guia dos Curiosos', o que mais me chamou a atenção no livro (e - confesso - me deixou um tanto desanimado) foi confirmar que a história é contada pelos vencedores ou, pior, que pode ser mudada ao longo do tempo, pela repetição sistemática de algumas mentiras.


O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota ✰✰✰✰
Gostei MUITO dessa seleção de artigos de Olavo de Carvalho, o principal filósofo brasileiro conservador vivo. A esquerda e grande parte dos 'cults' das redes sociais amam odiar Olavo. Mas é inegável seu talento na escrita e argumentação (embora, claro, eu não concorde sempre) e sua capacidade de estimular o conhecimento.


A Rebelião das Massas ✰✰✰✰✰
Ortega y Gasset concluiu o livro em 1930, mas serviria perfeitamente pra analisar as manifestações do ano passado. O conceito de que mais gostei foi sobre o equilíbrio (instável) da nossa sociedade: forças que se acumularam ao longo do tempo e hoje parecem imperceptíveis para uma geração de 'señoritos satisfechos' que acham que o estágio atual de civilização é dado pela natureza e que não exige cuidados constantes. Uma massa mimada que usufrui dos benefícios do mundo atual sem ter que enfrentar sacrifícios para sua conquista. (Aliás, Olavo de Carvalho também fala disso em um texto. Selecionei alguns trechos aqui)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

As vantagens do pessimismo

Faço uma resenha do livro As Vantagens do Pessimismo.
Foi minha estreia na obra do filósofo conservador Roger Scruton. E gostei muito.

O livro é, em linhas gerais, uma defesa do princípio da prudência e, assim, um alerta aos perigos da 'falsa esperança', uma crítica aos 'otimistas inescrupulosos' (o eufemismo que ele usa para os esquerdistas).

"Os otimistas inescrupulosos acreditam que as dificuldades e as desordens da espécie humana podem ser vencidas por um ajustamento em grande escala: basta inventar um novo arranjo, um novo sistema, e as pessoas serão libertadas da sua prisão temporária para um reino de sucesso."

"O único melhoramento que está sob nosso controle é o melhoramento de nós próprios."

Ele explica 7 falácias utilizadas por esses 'otimistas' e, em seguida, apresenta algumas 'defesas pela verdade'.

A primeira falácia é a da Melhor das Hipóteses. O esquerdista mira o ideal e não se preocupa com um 'plano de contingência' caso a 'ideia' não dê certo, ou seja, não avalia todos os riscos para saber se consegue bancar a pior das hipóteses (como um conservador o faz).

A falácia seguinte é a do Nascido Livre. O autor explora o conceito de liberdade, associando-o aos conceitos de responsabilidade e reciprocidade e diferenciando-o da simples 'ausência de restrições'. Liberdade inclui respeitar o próximo e depende dos contextos culturais. Um exemplo significativo que ele utiliza é o desastre da educação a partir da falta de disciplina do 'desconstrucionismo', que usa justamente o conceito distorcido de liberdade.

Em seguida, no capítulo sobre a Falácia Utópica, ele evidencia os riscos de colocar as fichas numa utopia e como, paradoxalmente, as utopias se fortalecem pela sua inexeqüibilidade.

"A mente utópica é uma mente moldada por uma moral particular e uma necessidade metafísica que leva à aceitação de absurdos não a despeito da sua absurdidade mas por causa dela."

Na Falácia da Soma Zero há o pano de fundo para o eterno confronto criado pelos esquerdistas entre opressores vs oprimidos (com os atores se modificando; a versão atual é pobre x rico). Não aceitam a situação indesejada como um 'fato da realidade'; sempre acham que foi causado por outrem.

A Falácia do Planejamento é o arcabouço teórico para coletivismos e Estados grandes. Os otimistas inescrupulosos acreditam que uma meia-dúzia de Iluminados terão as soluções para os problemas do mundo e, assim, desprezam a sabedoria cotidiana das micro-relações criadas ao longo da história. Não percebem que as soluções não são impostas, mas descobertas ao longo do tempo.

A penúltima, a Falácia do Espírito em Movimento, tenta nos convencer que o Zeitgeist, o espírito do tempo, praticamente 'nos obriga' a aceitarmos as mudanças, quase que abrindo mão de nossas liberdades e individualidades. Os otimistas inescrupulosos se enganam (e tentam nos enganar) ao associar o progresso científico a um eventual 'progresso moral ou de costumes'. Scruton pontua que nada garante que uma geração será melhor que a anterior do ponto de vista moral ou de costumes ou de cultura... (ao contrário da ciência).

"A falácia de ter uma visão retrospectiva de uma coisa que ainda não aconteceu tornou-se parte integrante do pensamento progressista."

Por fim, com a Falácia da Agregação, os esquerdistas tentam 'somar' conceitos que costumam ser concorrentes, como no exemplo clássico de liberdade x igualdade.

Em seguida, Roger Scruton expõe algumas estratégias através das quais os esquerdistas utilizam as falácias apresentadas.

Diante do fracasso das soluções propostas pelos esquerdistas, a desculpa é sempre que não foram 'longe o suficiente'. Invertem o ônus da prova: dizem que os conservadores teriam que provar por que a dinâmica atual ('status quo'?) é melhor que o 'melhoramento' proposto por eles, como se a simples sobrevivência à prova do tempo já não fosse prova suficiente da funcionalidade (vis a vis a 'boa intenção' da ideia deles).

"O senso comum também diz que um costume que sobreviveu à prova do tempo tem pelo menos isso para dizer a seu favor: que não é disfuncional."

Outra estratégia é a criação de falsos peritos (em assuntos em que simplesmente não há peritos). Uma retórica embutida de sociologia amadora e dá-se crédito a qualquer um.

Também costumam transferir a culpa, sugerindo que o simples êxito já seja prova suficiente para condenação. Um exemplo é rotular de odioso quem sofre o ódio. Nesse contexto, costuma-se criar bodes expiatórios.

Tentam ser herméticos, com discursos confusos, acusando ignorância de quem não concorda. (cita trechos de Marx e Althusser como exemplo)

O autor, então, imagina um mundo do jeito que os esquerdistas querem: com ausência de restrições, todos iguais, sem instituições, com soma zero (vive-se ou morre-se)... e chega ao nosso passado tribal! Supõe, então, que esses impulsos esquerdistas talvez sejam resquícios dos nossos antepassados.

"Leva a uma conclusão algo deprimente, que é a de que as falácias que identifiquei nesse livro como subjacentes às tolices do nosso tempo não são novos acrescentos ao repertório da loucura humana mas os resíduos das tentativas honestas dos nossos antepassados de endireitar as coisas."

Conclui dizendo que a vida civilizada não deve nos dizer o que fazer, mas o que NÃO fazer uns aos outros. Lembra que destruir é muito mais fácil do que criar.

"Devemos reconhecer que o confronto em que estamos envolvidos não é político; (...) é um confronto existencial."

"A melhor comunidade a que os seres humanos podem aspirar: uma sociedade sem convicção, na qual ninguém acredita ter o direito divino ou o dever histórico de fazer guerra contra aqueles que discordarem de si."

O livro é muito bom!