sábado, 29 de dezembro de 2012

O que li em 2012


Em termos de leitura, foi um bom ano pra mim. Li bastante. Aprendi um tanto. Segue minha lista, com link e um mini resumo.


1. Animal Spirits – George Arkelog e Robert Shiller

Na contramão da corrente majoritária ('o homo economicus é totalmente racional'), os dois renomados economistas defendem teses comportamentais, já defendidas por Keynes: a economia é regida por sentimentos de confiança, percepção de justiça, propensão a comportamentos de má fé ou corrupção, ilusão monetária e histórias que rondam o imaginário ('causos'). Ok, a economia comportamental já não é tão 'pequena'...


 

2. Um jogador – Dostoievsky

Com pesar, confesso que ainda não li 'Crime e Castigo', nem 'Irmãos Karamazov', nem 'O Idiota'. Ou seja, foi minha estreia em Dostoievsky. A narrativa é gostosa, mas esperava mais.






Trata-se basicamente de uma 'resposta' - dessa vez 'defendendo o corpo' - a um outro livro do rabino, 'Alma Imoral', que 'defendia a alma'. Novamente os dilemas entre desejo e valores, liberdade e segurança, traição e tradição, evolução e preservação, malícia e hipocrisia. É espetacular. Separei uns trechos aqui.




Mais um ótimo livro de psicologia econômica, sobre nossos vieses. No caso, especificamente o auto-engano: nossas ilusões de atenção, de memória (pra mim, o melhor capítulo), de confiança, de conhecimento, de causa e de potencial. Muito bom!



Meu 3º livro do escritor pop também é bem legalzinho. Ele exagera em alguns pontos (bastante criticado inclusive no Invisible Gorilla) como por exemplo ao afirmar relações causais sem o devido cuidado metodológico (tendo grupos de controle, por exemplo). Mas ok, não deixa de ser interessante. A tese central do livro é a não-linearidade de eventos sociais (venda de livros, fortuna, crimes no metrô...), os pontos de ruptura, assunto bem interessante.
 


A historinha de Antoine que, desiludido e infeliz com o mundo, tenta se matar algumas vezes, mas nem isso consegue. Acaba no mercado financeiro. Interessante.
"De tanto pensar, a consciência sempre tumescente, vivia mal. Ele agora queria ser um pouco inconsciente, bem ignorante das causas, das verdades, da realidade... Estava cansado da acuidade de observação que lhe dava uma imagem cínica das relações humanas. Queria viver; não saber a realidade da vida..."

Um tributo ao acaso, com um apanhado de textos que passa pela Bíblia, por Epíteto, Homero, Shakespeare, Rembrandt, Voltaire, Mark Twain, Albert Camus, Sartre, Borges...
Destaco o 1º parágrafo desse texto de Epíteto.
Difícil de ler, até pelo inglês erudito, mas interessante.


8. 
Justiça – Michael Sandel

O livro sobre o baladado curso, disponibilizado online, de Harvard. O professor-autor-filósofo é muito bom. Faz um resumão, confrontando as noções de moral e justiça ('o que é o certo? o que deve ser feito?') nas visões de Kant, Bentham e os utilitaristas, a teoria do véu da ignorância de Rawls e Aristóteles. A argumentação é tão boa que eu sempre ficava com a sensação de que o autor era 'signatário' do pensamento em questão. Talvez tenha faltado justamente isso: uma oposição a cada um desses pensadores.
Mas essa crítica ao autor também é interessante. Livro top.



Segundo o próprio autor, principal nome do niilismo, o livro se propõe a ser um resumão de sua obra. Nietzche refuta a exaltação dos ‘fracos’ (a moral da décadence) e não se conforma que ninguém perceba isso. Volta às ideias de ‘transmutação dos valores’, ou seja, trocar ‘tudo isso que está aí’, sempre apresentando seu Zaratrusta como o super-homem. Os títulos dos capítulos são impagáveis! (Por que sou tão sábio; Por que escrevo tão bons livros; Por que sou um destino...)
É muito bom. A vida só é possível ‘apesar de’.
 

O autor é conhecido pelos seus bons livros sobre a arte da psicoterapia. Nesse, ele vai fazendo um paralelo entre o trabalho cotidiano de um terapeuta com câncer e a vida e obra de Arthur Schopenhauer. Uma ótima introdução a uma das principais influências para o pensamento de Nietzche e de Freud. Gostei muito.


Resenhei aqui. Três intelectuais justificam suas preferências pelas ideias conservadoras.
Gostei bastante do texto de João Pereira Coutinho e, sabendo ponderar, costumo gostar bastante do Ponde. Acho que o Rosenfield não foi bem. A introdução, de Marcelo Consentino, é também muito boa.
Até pela grande quantidade de citações e bibliografia, trata-se de uma excelente referência para quem quiser estudar (entender, criticar, sei lá) as ideais direitistas.



Sem dúvida meu livro mais difícil do ano. A escrita de um dos primeiros pensadores existencialistas, raríssimo caso que se manteve cristão, não é nem um pouco fácil. Com a história de Abraão como pano de fundo, o autor discorre sobre sua noção de fé. Tentei resenhar aqui.


13.O estrangeiro – Albert Camus

O autor foi amigo de Sartre até romperem por questões políticas do pós-guerra. O texto de Camus é considerado misantropo, ou seja, com uma eterna desconfiança na humanidade. A principal fala do protagonista do enredo em questão, recém órfão e preso por um crime bobo, é ‘Tanto faz...’.
Espetacular livro que conta a história dos estacionamentos, desde a transição de carroças para carros, das ruas para ‘estalagens’. Sobretudo, tenta inserir a questão do estacionamento (que chega a ocupar 30%~40% da área urbana) como um fator mais importante na definição da ‘cidade que queremos’, do ponto de vista funcional e, principalmente, arquitetônico. A passagem sobre os usos alternativos da área de estacionamentos (em horários de subutilização) – como quadras, teatros, feiras, brechós, templos – é muito interessante.


Uma ode à cidade. O renomado economista defende os centros urbanos, principalmente pela sinergia e troca de ideias que geram inovações e evolução. Cada capítulo trata de um assunto, via de regra usando uma cidade como exemplo (ou contra exemplo). Dá uma bela cutucada nos ambientalistas, defendendo as cidades verticais ao invés de expansões territoriais. O argumento é: ‘Cada estudo só avalia o impacto do projeto se ele for aprovado, e não o impacto de ele ser negado e a construção começar em outro lugar’.
Dei uma pincelada sobre um dos assuntos aqui.
O livro já é considerado pré-requisito para se estudar urbanismo. Muito bom.



Concordo: é fácil não gostar do Pondé. Se esse for seu caso, nem chegue perto do livro. Na minha opinião, o cara peca pelo exagero, por ser agressivo ou arrogante demais; mas a mensagem geralmente é muito boa. De filosofia mesmo, tem muito pouco. Nesse livro, que ele mesmo chama se ‘ensaio de ironia’, Pondé bate em quase tudo: preconceitos, opinião pública, felicidade, mulheres, universidades, religião, música,... O politicamente correto é a origem da maioria dos males do nosso tempo.
Gostei bastante do livro (talvez porque concorde com quase tudo).

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Não tenha medo de trocar de ônibus


Faço um resumo desse bom texto do ótimo Jarrett Walker, acrescentando alguns comentários. (as figuras desse post são do texto original).

Em 'Por que dirigimos assim?' (que resumi aqui), Tom Vanderbilt argumenta (com estudos) que o que mais incomoda o cidadão no trânsito não é o longo tempo em si da viagem, mas, sim, a variação desse tempo. Exemplificando: o que mais incomoda um aluno da cidade universitária de São Paulo que mora na zona leste não é gastar 1 hora para atravessar a cidade mas, sim, que em vários dias, essa 1 hora vira 1 hora e meia (na prática, a felicidade de que, em alguns dias, ele leve 'apenas' 40 minutos não compensa a frustração da demora nos outros dias).

Nessa mesma linha, Jarrett Walker defende como um dos maiores pilares da política de mobilidade urbana a busca por FREQUÊNCIA ao invés de VELOCIDADE. O artigo que trago toca justamente nesse ponto.

Via de regra, os cidadãos se deliciam com uma linha de ônibus que passe na porta do trabalho e os leve à porta de casa. Mas isso é simplesmente impossível de atender em larga escala. Buscar esse objetivo é jogar dinheiro fora e subaproveitar a malha de ônibus.

A alternativa, impopular (aliás, como a maioria das soluções de verdade), é incentivar transferências (conexões, baldeações,...).

O exemplo clássico é o seguinte: imaginemos 3 origens e 3 destinos. Pra ligar ponto-a-ponto pra todo mundo, precisaremos de 9 rotas (A a 1, A a 2, A a 3, B a 1, B a 2, B a 3, C a 1, C a 2, C a 3).
Supondo tempo de viagem de 20 minutos e orçamento suficiente para realizar cada viagem a cada 30 minutos, temos que cada viagem demorará entre 20 minutos (você chegou no ponto bem na hora da porta aberta do ônibus; tempo de espera = 0) e 50 minutos (você chegou no ponto bem na hora da porta fechando; tempo de espera = 30 minutos). Na média, 35 minutos.



A alternativa com transferência criaria um ponto de conexão (vamos supor no meio do caminho de todo mundo). Nessa situação serão necessárias apenas 3 rotas, todas passando por esse ponto central. Com o mesmo orçamento e a redução de rotas num fator de 3, podemos aumentar a FREQUÊNCIA das viagens em um fator de 3, ou seja, a cada 10 minutos. O tempo de viagem será composto por: de 0 a 10 minutos pra pegar o 1º ônibus + 10 minutos da 1ª viagem + de 0 a 10 minutos para pegar o 2º ônibus + 10 minutos da 2ª viagem; ou seja, entre 20 e 40 minutos. Na média, 30 minutos.



Repare que, se você tiver a 'sorte' de ter a viagem direta (no exemplo, acontecerá em 1/3 das rotas), você ainda não terá o tempo de espera do meio, ou seja, a média de viagem cai ainda mais.

Essa alternativa possui ainda mais vantagens do que apenas a economia de tempo:
- é mais fácil pra população entender as rotas; é mais mnemônico; haverá menos tempo perdido com o motorista tendo que responder pra senhorinha se esse ônibus passa na avenida x.
- a malha será mais bem aproveitada; a tendência é que todos os ônibus sejam mais bem ocupados (todo ônibus será, de fato, útil). Isso pode parecer uma desvantagem (ônibus cheio é mais desconfortável), mas ônibus bem ocupado (não superocupado) é sinal de bom uso do dinheiro público. Ou não existe a sensação de 'desinteligência' ou desperdício quando pegamos um ônibus abarrotado e, na sequência, um ônibus super vazio?
- menos rotas e mais curtas significam mais resiliência, mais capacidade de acertar um detalhe do trajeto como um cruzamento-gargalo.
- a vantagem aumenta com o aumento da cidade. Basta imaginarmos uma redução de rotas num fator de 10 e aumento da frequência num fator de 10.

Existem três argumentos contra os transfers: um fresco, um falacioso e um considerável.

A crítica fresca é que não terá mais viagens sentadinhas, longas, para se ler um livro. Bem, aí a população precisa escolher se prefere chegar logo ou chegar sentada. Frescura.

A crítica falaciosa condena o cálculo de espera lá de cima no texto. Dizem que basta você saber a hora que o ônibus passa e se programar pra ela, levando o tempo de espera sempre a zero. Quem vive a prática, sabe que isso não é aplicável. Primeiro porque não sabemos ao certo a hora dos ônibus. Segundo porque, mesmo que soubéssemos, nem sempre conseguiríamos nos adequar. A frequência menor (mais tempo entre um ônibus e o próximo) levará a tempos de espera, mesmo que você saiba os horários. O exemplo no post original é bom: se você tem que chegar ao escritório às 9h00, mesmo que saiba que um ônibus passa às 8h05 e te deixará no escritório às 8h40, você continuará perdendo os 20 minutos no trabalho por ter chegado mais cedo do que precisaria (e o ônibus seguinte faria você chegar atrasado). Ou seja, essa crítica é uma falácia.

A crítica boa é psicológica: o perrengue da conexão. Ou seja, existe um 'penalty' maior do que simplesmente o tempo de espera adicional na conexão.
Na verdade, tudo isso pode ser mensurado para vermos até que ponto (até quantos minutos) o usuário aceita gastar mais na viagem direta do que fazendo conexão (5 minutos? 10 minutos?). Obviamente, a conexão tem que ser uma situação agradável e cômoda, sem ter que andar demais, por exemplo.

Pra tudo isso, claro, um cartão do tipo 'bilhete único' é imprescindível.

Experimentei a teoria na prática e adivinhem: dessa vez, deu certo. hehe. Comecei a pegar, de fato, o primeiro ônibus que passasse em frente ao trabalho, sem nem saber o nome ou o número. No meu caso, confesso, era um pouco mais fácil: ou ele pega a Av Santo Amaro (que me basta para rota direta) ou sobe a Av Brigadeiro Luis Antonio. Nesse 2º caso, pulava do ônibus assim que percebesse o 'desvio da minha rota', andava até a Av Santo Amaro e pegava o primeiro ônibus que passasse, também sem saber nome ou número. Como a entrada dos ônibus na Av Santo Amaro às vezes trava, acredito que em alguns dias, até ganhei tempo ao pular de um ônibus e entrar no outro, já na Avenida.

Enfim, seria bom ter um prefeito com um pouco mais de coragem para enfrentar o status quo e tomar uma decisão um pouco mais técnica com relação à malha de ônibus.