De madrugada, minha filha vai à minha cama e deita abraçadinha, com medo de algum sonho. Sorrindo, abraçados, eu penso: quando a vida acabar, o Céu deve ser assim. Aí, sim, a vida vai ser leve.
Com os riscos no emprego anterior, dependências perigosas,
eu pensava: quando eu sair, vou largar um peso. Aí, sim, a vida vai ser leve.
Estressado no trabalho atual, riscos em todas as frentes, eu
penso: quando tudo isso acabar, vou pra roça. Ou pra Montevidéu, com a família
da esposa. Aí, sim, a vida vai ser leve...
Emputecido com o ‘novo normal’ enjaulado, eu penso: quando o
vírus acabar, aí sim, a vida vai ser leve...
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Foi comum em toda a minha vida, imaginar meu velório. A
princípio, parece mórbido. Mas é apenas uma simbologia para ‘ver a própria vida
de fora’, sair da pista e ir pro camarote, ver a ~big picture~. Raras as vezes
que tive a auto-percepção de que não poderia morrer naquele momento porque
ainda tinha algo a ser feito. Não. Acho que vivi de forma que, a qualquer momento
que eu morresse, o caminho até aquele momento estava completo, bem traçado, sem
pendências, sem necessidades de acertos de contas.
Acho que é uma boa definição de “felicidade” ou de “bom
combate”. Mas não de “leveza”.
Assunto recorrente nas minhas auto-reflexões e terapia, esse
fardo excessivo que carrego. E o ponto é que talvez eu não precisasse. Como
mudar? O terapeuta diz que eu me estressaria na roça, porque a vaca deu 5
litros de leite ao invés dos 6 programados.
Impressão é que sempre estou na contagem regressiva para passar a fase em questão.
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Eu tenho um pouco de desprezo por algumas pessoas que vivem
sabáticos constantes, viajando pelo mundo todo. Minha impressão é que estão
apenas fugindo de si mesmos. Mas, numa auto-análise, eu não sou muito
diferente. A diferença é que estou sempre fugindo do “agora”. Mas, embora a ansiedade
seja pelos riscos do futuro, é lá, depois da arrebentação, que a vida vai ser leve.
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Eu acho que sofro de excesso de ‘memento mori’. Sei que vamos todos morrer e talvez eu queira chegar logo lá. É só lá que a vida é leve.