sábado, 14 de novembro de 2020

Quando tudo isso acabar...

De madrugada, minha filha vai à minha cama e deita abraçadinha, com medo de algum sonho. Sorrindo, abraçados, eu penso: quando a vida acabar, o Céu deve ser assim. Aí, sim, a vida vai ser leve.

Com os riscos no emprego anterior, dependências perigosas, eu pensava: quando eu sair, vou largar um peso. Aí, sim, a vida vai ser leve.

Estressado no trabalho atual, riscos em todas as frentes, eu penso: quando tudo isso acabar, vou pra roça. Ou pra Montevidéu, com a família da esposa. Aí, sim, a vida vai ser leve...

Emputecido com o ‘novo normal’ enjaulado, eu penso: quando o vírus acabar, aí sim, a vida vai ser leve...

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Foi comum em toda a minha vida, imaginar meu velório. A princípio, parece mórbido. Mas é apenas uma simbologia para ‘ver a própria vida de fora’, sair da pista e ir pro camarote, ver a ~big picture~. Raras as vezes que tive a auto-percepção de que não poderia morrer naquele momento porque ainda tinha algo a ser feito. Não. Acho que vivi de forma que, a qualquer momento que eu morresse, o caminho até aquele momento estava completo, bem traçado, sem pendências, sem necessidades de acertos de contas.

Acho que é uma boa definição de “felicidade” ou de “bom combate”. Mas não de “leveza”.

Assunto recorrente nas minhas auto-reflexões e terapia, esse fardo excessivo que carrego. E o ponto é que talvez eu não precisasse. Como mudar? O terapeuta diz que eu me estressaria na roça, porque a vaca deu 5 litros de leite ao invés dos 6 programados.

Impressão é que sempre estou na contagem regressiva para passar a fase em questão.

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Eu tenho um pouco de desprezo por algumas pessoas que vivem sabáticos constantes, viajando pelo mundo todo. Minha impressão é que estão apenas fugindo de si mesmos. Mas, numa auto-análise, eu não sou muito diferente. A diferença é que estou sempre fugindo do “agora”. Mas, embora a ansiedade seja pelos riscos do futuro, é lá, depois da arrebentação, que a vida vai ser leve.

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Eu acho que sofro de excesso de ‘memento mori’. Sei que vamos todos morrer e talvez eu queira chegar logo lá. É só lá que a vida é leve.